segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

MARTE EM CAPRICÓRNIO



A velocidade do carro, a velocidade dos movimentos, a cidade e suas torres, o calor invadia o desejo de ventura e percorrer as avenidas, ruas que fazem parte da minha memória, fotografias velozes expostas sem cadeados e nudez.
Fragmentos colados, o carro corria, as palavras desfilando diante dos olhos, estranha sensação de viver o instante seguinte com alegria incontida. Atravessava ruas, avenidas estava colado a todos os sentimentos, ficava para trás outra frase sem poder completar , ficava para trás, um pouco de mim.
A exuberante claridade, as torres urbanas, os olhares fixos nos semáforos, silêncio dentro do veículo, apenas o desejo de continuar a frente.
Procurava nas expressões dos olhares a transparência das emoções, e de repente fosse revelado a razão de nossa irmandade, pensamento inútil, ingenuidade cretina, morrendo rapidamente debaixo dos pneus.
As sombras evaporavam rapidamente diante do esplendor solar, a boca seca, estava faminto por escrever outra frase, que escapava sem ao menos conseguir ser rascunho, sem um pedaço de papel, sem caneta, movimento sem fim na memória, repassava lembranças há muito guardadas. Gostaria de poder escrever, segurar aquele instante, entretanto, tudo escorria como enchente que engole o que vier pela frente e perde-se depois.
O carro atravessa a cidade, percorre meu silêncio, sentimentos incertos, lembranças pálidas, emoções fragmentadas. As mudanças vividas expondo minhas cicatrizes, tantas portas por sair e entrar, sempre seguir e às vezes não olhar para trás. Os reflexos urbanos modelando os sentidos, colorindo cenário impermeável que ficara trancado em minhas entranhas. Indomável desejo de ir, lançar-me, a velocidade do carro, a velocidade das imagens, as árvores nas calçadas, expõem seu vigor essencial escandalosamente.
O planeta ruge ferido, mudanças radicais de temperatura, a vida colocada em perigo, nossa auto-extinção, os senhores do poder em suntuosa posição lavam as mãos em nome do lucro, enquanto o planeta e´violentado pela intervenção do capitalismo , novos Pilatos assistem de seus templos o planeta ferido expelir dramaticamente suas chagas em brasa, rebelando-se, nossa mãe Gaia...
Meus sentidos em pedaços, minha ira, a vida silenciosamente devorando a vida, até o dia que a morte nos separe. Afinal onde estará o verbo ? O inicio e o fim ? Uma serpente de duas cabeças devorando-se a si mesma, num movimento continuo sem cessar ? Será essa a eternidade ?
O carro agora corre muito, avenidas largas e vazias, busco identificar motivos, conclusões, mas tudo e´incompleto, fragmentos voando na tela do pensamento, o calor do ambiente seduz como pétalas a pele. Tudo vai desfilando rapidamente diante dos olhos. As mãos procuram um teclado, lápis, ou caneta, traduzir o verbo que consome meu instante-já, que amadurece rápido e logo apodrece, desaparece da tela do pensamento. O carro continua correndo....
Uma brisa livre bate no rosto, as luzes de mercúrio acessas, sem a noção das horas a cidade vai desfilando diante dos meus olhos. O sabor da liberdade sempre entorpece, mas e´volúvel e depois fica apenas o amargo na boca e os desencontros pelas ruas da cidade.


04/01/2011

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014




Testemunho 



Percorro lembrança do verso último
incandescência da noite grafite
                                         textura
velocidade urbana atropelando a paixão
amor em recortes
torvelinho
                                       cidade e pedra
                                       calor da boca e bebida carmim 
                                       nudez da razão
Arrebatada poesia
queimando pelas ruas 
                             avenidas 
                              brilho ocular
concreta palavra e maquinaria das cores
alfabeto rubro 
ardor nas veias
noite equador
poesia negra escorrega dos dedos do poeta 
máquina de escrever espatifada 
construção de pedra e dor
incomensurável noite
devorando cada célula 
                            solidão faminta consumindo edifícios
                            casas 
                            raiz de sal rasgando a carne 
                            madrugada nasce a fórceps !

Palavras  em chamas
geometria do sonho
sons e metais
os óculos da poesia 
que  bra  dos 
o poeta calado..... 

1985   

sábado, 11 de janeiro de 2014





Álbum de família

em memória dos avós maternos  
                                                               
   




por entre os dedos 
escorrem os anos 
velando antepassados
seus bigodes compridos 
largos paletós 
baú de ossos 

                        "distante paese
                          occhios di mare"
                          raízes nuas 
                          nos navios de sonho


ancorar o sol 
no útero da terra
semeadura e arado
lavrado o vinho 
dividido o pão

                                  mulheres e prole numerosa
                                  em longos vestidos 
                                  sua força, simplicidade e fé
                                  em photographias sem data

na gripe espanhola 
funeral de paisanos 
olhos seguindo o Zeppelin 
no céu assustado 
percorrer de bonde 
Light &and Power
trilhos da cidade 

                                      a roda dos anos
                                      memória reproduzida em filme lento 
                                      os casarões 
                                      os cortiços
                                      a cidade perde sua infância 

e cresceram as árvores de concreto e fumaça 
e ficaram alvos os cabelos 
dedos reumáticos 
na utopia pan-africana 
                                       
                                       multiplicada a riqueza
                                       dividida a fome em partes iguais 
                                       morreram os sonhos imigrantes 
                                       em lápides de granito...



                                                                        1985