quarta-feira, 12 de março de 2014





a semana



Segunda-feira:
Madalena não sonhou, não amou, não sorriu.
Faz a marmita,  vai trabalhar.

Terça-feira:
Madalena assaltada, levam o dinheiro do aluguel,
não janta, chorou, praguejou, dormiu.

Quarta-feira:
Olha-se no espelho. Murmura. Leva os olhos ao chão. Conta os trocado pra condução.
Faz a marmita, vai trabalhar.

Quinta-feira:
Vai pra fábrica. Sua carne fraca, suas mãos ásperas, sua juventude anciã, seus membros trabalham, trabalham, trabalham, traba....

Sexta-feira:
Balança no trem. sol amarrotado, criança amarrotada. Cidade amarrotada, o apito da fábrica,
todas as faces são iguais.

Sábado: 
Lava roupa, lava roupa, lava mais roupa...

Domingo:
Vai pro parque. Felicidade mambembe. Gira a roda gigante,  respira cheiro de mel. Depois...
Depois trabalha, trabalha, trabalha, trabalha, traba.... 


1981 

     

sexta-feira, 7 de março de 2014




Beijo escuro



vento vivo
polindo verso cru
teu corpo água
meu corpo transparência
proporção de continente 
manufatura do amar 

                                   verbo mais que perfeito 
                                   sob as curvas do teu corpo 
                                   fulgura fevereiro 
                                   procura cega
                                   carícia desnuda 
                                               perfume descansado


na memória das paredes 
confusão das coisas acontecidas 
aurora sem métrica 
a poesia é equilibrista sem rede 
dias banhados de sal 

terça-feira, 4 de março de 2014

DIÁRIO

Calendário radiado
vertebrado calor e hora crua
urge amoroso cio das palavras
verso quebradiço nas mãos
tigre e furor
Póstumo janeiro
sem lágrimas e agenda carcomida
clarão queimando o escuro do corpo
incêndio correndo andares da poesia.

Escrevo com o pó das estrelas
caminho das tintas e dor
corpo a penetrar o corpo
peles tatuadas
ver verão cicatrizando sombra
cidade despida
uterina musica e céu escancarado.

Nuvens de lembranças
e beijo partido
faca cega, sangue, e biografia em lugar nenhum.







segunda-feira, 3 de março de 2014

 O ENREDO DE UMA GUERREIRA
As pétalas espalhadas sobre a toalha xadrez, denunciam muitos dias de abandono e esquecimento. Rosas murchas jaziam no vaso. Sobre a mesa um envelope empoeirado, endereçado esperava ser aberto. “Para Arlete com carinho”... Um porta retratos na mesa, Arlete e Sérgio juntos em vários momentos, um porta retratos pode reviver o passado alimentando lembranças para quem olha.
Arlete, mulher operária, trabalhava numa grande confecção de roupas, costureira, lutava na conquista de uma vida melhor, não tinha tempo ruim...Assim ela expressava-se, para os amigos, familiares, não tinha tempo ruim....Sua existência de suor e trabalho desde a infância, a calejou, aprendeu a enfrentar os dissabores, não era pessoa de desistir na primeira pancada.
Viveu sempre na periferia, seus pais compraram a prestações um lote e construíram uma casa simples pequena, o bairro estava começando a se formar, ruas de terra batida, sem água, esgoto, precária iluminação publica. A primeira providencia dos moradores era furar um poço e uma fossa para o esgoto doméstico.
Foram anos de grandes dificuldades, o desemprego batia a porta por vezes, faltava o feijão na panela, sua mãe arrumava uns bicos de doméstica, o pai, seu Dirceu fazia de tudo, alvenaria, encanamento, Marquinhos e Arlete faziam carreto na feira por uns trocados, ganharam a simpatia dos feirantes e sempre tinham alguma coisa para levar para casa. Arlete e os irmãos cresceram ajudando os pais em todos os momentos. Dona Izildinha sabia que a salvação para os filhos era o estudo dos meninos, fazia de tudo para que frequentassem o grupo escolar. A escola publica fora uma cocheira de cavalos, todo o bairro fora propriedade da família Bonfiglioli, logo pela manhã os três irmãos iam para o grupo escolar. Arlete a mais velha, Dulce e Marquinhos o caçula de uniformes azul e branco.
Seu Millani o diretor ficava posicionado na entrada da escola, observando severamente se todos estavam de uniformes e limpos. Em fila dupla cada aluno entrava com sua professora na sala de aula. O silencio reinava absoluto. As primeiras lições de aritmética, português, novas dificuldades para superar. Perto da secretaria havia uma casa de marimbondos, era o grande desafio para os meninos acertar o alvo com uma pedrada.
Sempre havia um engraçadinho de boa mira que acertava os bichos. Era alvoroço geral, gritaria, confusão, corre de lá corre de cá...Dona Sofia a faxineira, clamava proteção aos céus! Quando finalmente os marimbondos acalmavam-se, lá vinha o diretor, vermelho como pimentão soltando faíscas intimidando aos berros a todos, querendo saber do “engraçadinho” que atingira a caixa de marimbondos com pedras.
O bom mesmo era quando chovia muito, as goteiras enormes paralisavam as aulas, a meninada ficava incontrolável, todos eram dispensados... A maioria saia em disparada fazendo grande algazarra, debaixo de chuva, escorregando na lama...
Dom Pedro I, o segundo, Tiradentes, era difícil ir ao dentista, o pai ganhava pouco, depois abriram um consultório popular no largo de Osasco. Princesa Isabel libertando os escravos, mas como o pobre vive a sofrer ! Cabral descobrindo o Brasil, por que não deixaram os índios sossegados ! A menina Arlete, era esperta, cuidava da casa, dos irmãos, era valente brigava sem medo, protegia os irmãos dos valentões, gostava mesmo de soltar pipa, jogava futebol, torcia para o Santos, pegava caixa de fósforos vazia para apanhar vaga-lumes e soltar no escuro, e dizer que eram estrelas, o pai dava risada, homem que amava os filhos. Dona Izildinha, mulher valente, tirava quebranto, sempre amorosa e protetora, surpreendia-se com Arlete, gostava da vivacidade da filha.
A infância foi difícil, mas com esforço tudo foi sendo superado, o fato de maior dor foi quando Dulce que sempre teve saúde frágil adoeceu com amidalite grave, o pai saiu correndo no meio da noite com a menina nos braços ardendo em febre, os vizinhos socorreram, seu Pedrinho era o único que possuía carro, uma kombi, levou o pai, Dulce com convulsões, para o pronto-socorro no centro da cidade. Foi medicada, mas a menina era alérgica ao antibiótico, ninguém sabia e aconteceu o choque anafilático, o quadro agravou-se, correram com a menina para a emergência, mas aconteceu o pior, o óbito. O dia amanheceu, nada do pai e Dulce. Horas depois ele chega com os olhos vermelhos de choro e diz que a pequena Dulce não voltaria para casa, foi morar no céu com os anjinhos. Arlete chorou muito, ficou dias sem ir a escola, parecia que os dias eram feitos de sofrimento e saudade.
Os anos seguiram, o bairro, a cidade, a vida de Arlete foi modificando. As duras penas conseguiram melhorar a casa e até ampliar. Marquinhos já era rapaz, trabalhava com o pai, eram feirantes, Arlete aprendera a profissão de costureira, trabalhava na lapa, saia de casa cedinho, trabalhava muito, preocupava-se com o bem estar da família, fez de tudo para que Marquinhos continuasse os estudos, mas o rapaz era um cabeça dura preferiu trabalhar com o pai, Arlete era apaixonada pela dança, sua diversão na vida era o samba. A única coisa que não podia deixar de fazer na vida era desfilar, nos dias de carnaval dormia na casa das amigas da fábrica e juntas iam para os ensaios na Barra Funda, até o dia do desfile no sambódromo. Dona Izildinha não dormia, ficava de olhos bem abertos para ver a Camisa Verde e a Arlete desfilar, cheia de requebros, fantasiada e feliz na passarela. Mas dessa vez, antes de começar o desfile da Camisa Verde, dona Izildinha teve um pressentimento ruim, uma coisa fria nas costas, então veio a figura de Arlete no pensamento, ficou apreensiva por momentos, foi para o quarto orar pedir a luz divina que protegesse a filha, entrou em pânico ao ver a imagem de São Jorge quebrada na penteadeira...
Foi no samba que conheceu Sérgio, saia na bateria, era motorista de caminhão, estavam juntos há três anos, Sérgio era alegre, cresceu dentro da quadra da escola, conheceram-se nos ensaios. As vezes aconteciam brigas de ciumes, principalmente quando Renatinho, o pandeiro de ouro, com insistência insinuava-se pra cima da Arlete, era um conquistador barato, cheio de conversa até a vítima cair na sua lábia, e depois saia fora da garota, já tinha filho, mas não assumia a paternidade, não aceitava a rejeição de Arlete.
De repente o fulano sumiu, dizem que entrou em cana, envolveu-se com um pessoal barra pesada. Arlete tornara-se uma mulher bonita, atraente e era impossível algum homem deixar de olhar para seu corpo escultural. A emoção era contagiante, o ritmo da bateria, as cores e o brilho das alas, as fantasias, o povo na arquibancada cantando junto com a escola. Arlete transformava-se parecia uma grande dama irradiando alegria.
Nessa noite tudo iria mudar. A alegria iria ceder lugar para a tristeza. A semana que antecedeu o carnaval foi conturbada entre Arlete e Sérgio, irritadiços, ansiosos com o desfile, Sérgio não queria que ela fosse para a casa da amiga, mas ela bateu o pé e pronto, o ciumes aflorou entre eles. Qualquer olhar para cima da Arlete já começava o zum zumzum...
Quando a escola entrava na passarela tudo era mágico, as mágoas, tristezas do ano que passou pareciam desaparecer , seu pensamento, seu corpo tornavam-se uma coisa só, no ritmo fabuloso do samba.
De repente aparece do nada o Renatinho com seu pandeiro começou a fazer a corte para Arlete, no inicio parecia uma coisa natural do desfile, só que começou a ficar inconveniente o assedio do rapaz, ela deu um chega pra lá, mas nada, ele voltava a importunar, agora dizendo palavras de baixo calão. Começou a confusão, Arlete foi pra cima do traste, arremeteu-lhe violento tapa no rosto, dali a pouco aparece Sérgio nervoso, alguém já o avisara da inoportuna presença e logo a pancadaria começou, apareceu a turma do deixa-disso e o desfile seguiu.
Depois que a escola cruzou a linha de chegada, todos comemoravam o desfile radiante, Sérgio encontra-se com Arlete e enquanto comemoravam aos beijos, Surge Renatinho como um fantasma, com o rosto inchado, sangrando a boca, tira rapidamente um trinta e oito da cintura e dispara a queima roupa em direção aos dois, sai em disparada no meio da confusão.
Os dois caíram no asfalto abraçados e ali ficaram não foi possível fazer nada, gritos e correria, tristeza no fim do desfile. Os dois chegaram em óbito, nas Clínicas.

25/03/2011