sexta-feira, 13 de outubro de 2017






                                                                             Copo cheio de sede III
                                                                                                                 (final)







Minha deficiencia me impôs o limite físico, mas não limitou meus caminhos. Busquei sempre, nunca tive medo de mudanças e assim a politica a ideologia entraram na minha vida. Na adolescencia fui dirigindo minha existencia por uma opção militante. Acreditei severamente na causa da revolução socialista, transformando a nação, os pobres do Brasil. Militei no partido dos trabalhadores, pois acreditava ser o instrumento para emancipar o trabalhador em direção a revolução socialista sem a influencia do partido comunista, partido comunista do Brasil estes defendem Stalin e a raivosa extrema esquerda trotkista.
Ledo engano, depois de anos de militancia no PT e sindicato dos bancários de São Paulo vivi na pele profunda crise pessoal pelos desvios do partido, da central sindical, a busca cega pelo
poder de modo vil, mutilando a democracia interna do partido por obra e graça do grupo majoritário do PT liderado por Lula. Começaram a podar as novas lideranças em favor de um grupo único, de um personagem único. O partido reviveu a prática sordida do Brasil império, a prática do beija-mão. Beija-mão de Luis Ignácio da Silva. A sede de poder predominante transformou o PT num partido de tiranos travestido de socialistas, começaram a pisar no pescoço de quem representasse obstrução ao projeto de poder de Lula e seus aliados. O conceito de “socialismo” na prática revelou-se retórica eleitoreira. Acendia-se uma vela para Deus e outra para o Diabo. Em 1989 isolado politicamente no sindicato dos bancários e no partido pois não rezava mais no catecismo lulista rompi com o PT e a militancia sindical antes que me fritassem, assim desconstrui tudo que acreditei um dia. Romper com valores que foram contruidos ao longo da vida provocam crise intima muito forte, quebrar convicções, rasgar bandeiras, a bandeira do PT que defendi, ouvindo ofensas, provocações. Meu nascimento já representou um desafio, meus enfrentamentos na vida, sempre buscando coragem para seguir em frente. Precisei ancorar-me na coragem e refazer minha vida. Vivi outro momento de mudança profunda em minha vida o dia que pisei na federação espirita de São Paulo, foi um longo conflito intimo ao deparar-me com a doutrina espirita e posteriormente a umbanda. A experiencia na militancia politica e os fundamentos teóricos marxistas que li entraram em xeque-mate diante da postura sordida, vil dos ditos representantes da classe operária, o conceito de socialismo caiu por terrra, pois como podemos defender o socialismo tendo uma postura de tirano, alcoviteiro, usurpador dos interesses de uma classe social. A partir de então decidi mudar minha vida buscar outro caminho, não tinha como objetivo viver da politica, tornar-me um embusteiro, então rompi com o sindicato com o PT.

Reconcilhiei-me com Deus, despido do marxismo-leninista, do existencialismo, dos ranços da esquerda neurótica. Assim um dia adentrei num terreiro de umbanda e lá fui bem recebido pelos Guias e Maria Bahiana...Saravá a todas as linhas da umbanda !
O muro de Berlim caía a golpes de marretas ! O socialismo do PT transforma-se em discurso oportunista pura farsa, posteriormente assistencialismo populista para manobrar os pobres quando da eleição para a presidencia de Lula. Depois de dez anos no poder o PT fracassa levando o país a recessão profunda, o desemprego em grande escala, o PT torna-se em uma organização criminosa destruindo o país. Acontece o impedimento de Dilma Russef poste plantado, graças a pressão popular. A democracia respira, apesar do golpe vermelho no momento final do impedimento de Dilma quando rasgam a constituição em seu artigo especifico garantindo direitos politicos a Dilma Russef. A podre esquerda busca atordoada manter seu discurso farsante suspirando agonia pelas ruas. O Brasil não será vermelho , nem bolivariano ! O legado da esquerda no país foi o retrocesso, a corrupção levada ao extremo a partir do escandalo do mensalão , como participante ativo da corrupção o PT deveria ser extinto. A jovem democracia sobrevive com seus defeitos e é o melhor caminho para a cidadania , para a liberdade de manifestação, liberdade de imprensa, aprimorando os direitos e deveres do cidadão, regidos pela constituição outorgada em 1988, instrumento pétrio fundamental na historia recente do país.
A atuação de Lula e sua quadrilha durante uma decada merece
condenação do trabalhador que ele defendeu demagogicamente em seus discursos quando oposição. Ao chegar ao poder pelo voto direto, Lula atuou semelhante a dirigente sindical pelego traindo os interesses de sua categoria favorecendo-se da máquina do governo, distribuido propinas no congresso, destruindo a Petrobras e a economia do país.
O PT e Lula não respeitam a Constituição, a democracia, personagem autoritário, cego pelo poder, merece ser responsabilizado na luz da lei do país. Luis Ignácio da Silva o melhor pelego na história operária, melhor que Joaquinzão, Luiz Medeiros, Rogerio Magri, amigo de empreiteiros como Emilio Odebrecht e do parasita sistema financeiro. No desenrolar dos fatos politicos transmitidos pela mídia revivo certos fatos, e um sorriso de desdem sobressai. “Nada será como antes amanhã”, cantou Milton Nascimento, vendo pela televisão os capas-pretas do partido sendo algemados pela policia federal indo para a prisão por corrupção. O PT vive sua agonia, espero ver sua morte !
A primavera traz a plenitude do sol e o calor que conforta, a nova personagem da casa, Dora, cachorrinha pudoo, adormece preguiçosa na varanda enquanto almoço. Um brilhante beija-flor verde-esmeralda visita as plantas, o ibisco
alaranjado e rapidamente sai por entre a rede da varanda. Dora nem incomoda-se tamanha a preguiça....


As tardes, os dias passam, espero com ansiedade por mudanças silenciosas, insistencia de querer acreditar que poderei escrever o melhor poema que ainda não escrevi ou talvez nunca escreva. As vezes acho que não devo mais escrever. Silenciosamente mudanças chegam mesmo que pareça que nada vai acontecer. Os dias vão deixando suas marcas na pele, nas ruas, pelas casas, geografia mutante que não controlamos, fazemos parte dos cenários, parecendo que temos a debil capacidade de ludibriar a morte. Um perfume de café no ar produz saliva na boca, qualquer dia desses acontecerá fato marcante ou não, seguirei com minhas interrogações, receios, erros, acertos, momentos felizes, decepções, lembranças recortadas, levando nas mãos espada!      

quinta-feira, 12 de outubro de 2017

                               










                                                                        Copo cheio de sede II






                           


O telefone toca logo pela manhã quebrando o silencio, atendi, era propaganda de tevê a cabo....puta merda ! Desliguei de imediato, observando o aparelho em silencio recordo de Gilberto meu amigo poeta. Guardo suas cartas, poemas de estrutura dialética, concisos, revelando o conflito do homem urbano versus o homem do interior. Poesia de timbre forte, as vezes ríspida, plasticamente elaborada.
Um concurso de poesia no curso vestibular do qual fomos premiados nos aproximou permitindo a amizade e o culto à literatura. Gilberto apresentou-me Otávio Paz, Pablo Neruda e seu apreço por João Cabral de Melo Neto, nossa amizade atravessa a distancia e o tempo. Vencer aquele concurso me deu confiança, saber que estava no rumo certo , trabalhar meu estilo, enfiei a cara nos livros que conseguia comprar, emprestar, encontrei-me com diversos escritores, nessa fase da vida minha rebeldia tornou-se intensa afastei-me do catolicismo, da religiosidade, aproximei-me do marxismo. Paralelo a poesia queria encontrar uma alternativa politica, compreender o país, nossa sociedade, fui atrás de Josué de Castro, Paulo Freire, Celso Furtado, Caio Prado Junior, Sergio Buarque de Hollanda, o cinema novo de Glauber Rocha.... Escolhi por conta própria um caminho a esquerda, pois acreditava que seria a alternativa para o país, o tempo revelou o contrário.
Abandonamos o hábito de escrever cartas para amigos e familiares com o advento do e-mail e rede social. O telefone toca novamente, era tevê a cabo outra vez ! Fiquei furioso.... bati o telefone, fui para a cozinha tomar um café.
Qualquer dia ligo para o Gilberto para conversarmos sobre a vida, coisas comuns, a desilusão com o país, a familia, o minimalismo da angolana Paula Tavares ou por que não consegui passar da página duzentos de Ulisses de James Joyce abandonando o livro num canto qualquer. Gilberto parou de escrever infelizmente, agora dedica-se com a familia em seu pequeno comércio. As vezes rascunho um poema e publico-o no meu blog “A tradução da palavra”, divulgo o que escrevo para minha palavra repercurtir e atingir o leitor imaginário.
De repente um helicóptero da polícia sobrevoa rasante o bairro fazendo patrulha, escuta-se viaturas em velocidade pelas ruas, saio na varanda fico a observar, outros moradores fazem o mesmo, depois tudo cessa. Mais tarde sabe-se através da televisão sobre perseguição policial a assaltantes de banco. O vizinho ao lado liga estridente furadeira, o dia promete.
Antes que o stress predomine saio e vou andar pelo condominio, depois vou até o boteco do Paulão “point” dos aposentados para por em dia o noticiario local. Ouvir as estórias do sorridente Sebastião, as criticas zangadas do Chico, as brincadeiras do Paulão, veteranos moradores do bairro, bebo devagar uma gelada e volto para almoçar. Começa a ventar forte, trazendo o frio, nuvens cinzentas.
Vento persistente até o anoitecer varre as nuvens espessas, expondo céu escanradado e lua brilhando sobre o asfalto, as casas, o condominio, a periferia. Estou a ler Ana Cristina Cesar, graças a minha filha, estudante de letras, percorro com o olhar a estante, meus livros permaneceram vibrantes a provocar minha criação. Acabo com o café, aproveito até o restinho do copo, o exercício de escrever desafia, fascina, as vezes é angustiante. Escrevo e não basta ! Graças a minha esposa recuperamos meu velho parceiro Polivox três em um, peguei um vinil de Vivaldi, concerto de cordas e Cello e pus para tocar baixinho....O vento assobia pela fresta da janela sem parar. Começa a chover , a campainha toca, minha filha chega eufórica , depois comenta que os alunos da USP vão entrar em greve contra as arbitrariedades do reitor e cortes de verba. A porta da sala abre minha esposa chega molhada vai direto para o chuveiro, o disco termina, vou para a cozinha ajudar a preparar uma mistura para o jantar. Antes ligo o televisor, o noticiário politico esta efervecente. A pressão popular nas ruas finalmente coloca os politicos em cheque, o governo começa a ficar incomodado.
Meu pai tinha o costume de me ligar depois da janta falavamos brevemente sobre ene coisas desde mitologia grega, nórdica, a existência de Deus, os bigodes de Nietzsche, Kardec, a musica de Wagner, politica, ovinis, futebol, fatos corriqueiros sem concluir nada. Combinavamos o almoço para o final de semana. A figura paterna geralmente é vista com reservas, traumas, exemplo são “Carta a meu pai” de Kafka ou “Pai patrão” de Gavino Ledda, a presença de meu pai na minha vida ao contrário dos autores citados, foi marcante por sua alegria e amizade, ressalte-se que toda familia convive com seus problemas de relacionamento. Quando cursava o colegial, tive uma aula sobre o mito da caverna de Platão que me deixou entusiasmado e durante dias fiquei comentando com ele. Certo dia ele chega com um exemplar de “A republica” de Platão, edição de 1940 que ele encontrou num sebo. Lemos o mito da caverna na integra e depois debatemos a alegoria criada pelo filosofo. Meu pai apesar de só estudar até o madureza, era sedento por conhecimento e despertou em mim o gostar de ler.
Hoje o telefone não toca mais, fiz a mudança de minha mãe para perto de mim após a morte de meu pai, tranquei a casa. Não sinto saudades da casa que vivi a infancia e juventude. Minha mãe na casa dos noventa anos, quase cega, pergunta se alguem ligou, recorda primos e irmãos falecidos, seus contemporaneos que já não existem, todos os dias ela me pergunta se alguem ligou, então sobressai um silencio que incomoda...A voz do meu pai ecoa pelas escadarias da minha memória. Sua presença esta viva representada num pé de romã que ele me deu de presente, pedi ao jardineiro do condominio que plantasse próximo a minha varanda, assim posso ver o pé de romã crescendo e brevemente colher seus frutos. Deixo a luz do corredor acessa vou para a cama com o rádio de pilha ligado baixinho, ouço o resumo das notícias. Escuta-se ao longe motores acelerados no rodoanel, a motocicleta do ronda passando no condominio. Negra madrugada, é possível escutar um galo anunciando o alvorecer. Ogum faz sua ronda.
Predominam dias cinzentos e gélidos, agrava-se a crise política, economica no país trazendo recessão, inflação o desemprego. O impeachment sai das ruas e adentra no congresso nacional, os dias seguem...
A vida nos surpreende, não existe roteiro lógico, mocinhos e bandidos invertem os papéis o tempo todo, somos uma somatória de qualidades e mazelas, anjos e demonios, a instabilidade faz a vida interessante, as vezes mediocre, farta ou pobre tecendo os acontecimentos individuais, coletivos, inesperados. O cenário da existencia vai sendo urdido com ou sem consentimento nosso. Sequencia de fatos acontecem inevitavelmente, muitas vezes sem controle de nosso livre arbitrio, somos mercadoria descatável, carregamos a falsa impressão de autonomia sem perceber que caminhamos nos labirintos da alienação tecida para o controle social.
As artes plasticas, musica, cinema, literatura são valvulas de escape para a humanidade não padecer mentalmente, interpretar o universo ao seu redor, interagindo com o mesmo. O universo continua em expanção e nossa existencia é ínfima na face do planeta, fazemos parte do todo quântico indefinidamente....ando fascinado pela teoria das cordas, embora tenha sido um mediocre aluno de física no colégio. Olho o espelho do corredor vejo o menino que tardiamente deu seus primeiros passos na vida numa acanhada sala de fisioterapia. Olhava surpreso para todos, a equipe da fisio em silencio, conseguia finalmente ficar ereto e equilibrar-me sem cair assustado no chão, o menino deu seus primeiros passos após cirurgia de alongamento dos tendões de Aquiles, então sorriu, começava assim a interagir com o mundo sem medo, aprendendo a saciar a sede pela vida...Sabiás eufóricos vindos de não sei onde cantam vibrantes pelas árvores do condominio festejando a vida, de repente desaparecem...
E seguem os dias, semanas, meses, tenho uma pequena lista de livros para ler e tantos outros que deveria ter lido e não sei se vou conseguir ler. Depois de uma sequencia de livros lidos, acontece uma ressaca, passo meses sem ler nada ! Não sei explicar o motivo de estar escrevendo sobre minha vida, não vivi experencias exóticas, tenho uma
vida comum, não sei se paro e ponho um ponto final ou continuo escrevendo sobre qualquer coisa. Qualquer coisa pode significar algo interessante ou não, esse hiato que esta acontecendo é como ficar marcando passos e não sair do lugar. Escrever sobre coisas óbvias ou estranhas como as flores de maio que florescem em junho, ouvir novamente uma musica esquecida, saborear o frescor de um fruto maduro, reencontrar sem querer um rosto conhecido, beber com sede um copo de cerveja, ficar olhando o horizonte sem pensar em nada, uma consulta ao dentista, andar sem direção, olhar nos olhos da amada com desejo, ficar observando uma caneta sobre a mesa e sentir o motivo para escrever desaparecer. Escrever qualquer palavra, depois rabiscar diversas vezes, o motivo nem chega a virar embrião, escrever sobre a vida ao meu redor, retratar o cotidiano, extrair dele o que comove, o que espanta !