Preludio 01 de Villa Lobos
terça-feira desguardada
expõe luz desnuda
verso desperta saindo do tapauer
queria navegar no mar de Iemanjá
e possuir os segredos dos oceanos
navego
o alarme da cigarra me traz a realidade
terça-feira liquida
lembranças trancadas no espelho
envelhecem a pele
carrego cadeados fechados
a poesia não sacia o que sou
Osso da poesia
tardesecapontocom
em preto e branco rastro de nuvens
gritam buzinas
verbete à revelia
rascunhar num pedaço de jornal
o pôr do sol
o sol do poema levado na ventania
anoitecem os verbos
anoitece a sede
anoitecem os créditos
anoitecem os débitos
noite mergulha na noite
orvalho e cheiro duma floresta imaginária
trovões de espadas
Ogum bordado nas estrelas
cidade a desovar deuses de pedra
minha boca seca
livro aberto e signos de concreto
invento campos enluarados
o gotejar do amar
na pele das pedras
na cartografia dos planetas
sou meu próprio irmão.
Anatomia
o amar transpassa as dobras das horas
noite em camadas
verbo invisível a consumir
a carne da lucidez
na busca do sol
meus dedos de água e sal
cidade e seus sussurros de metal
a poesia germina entre frestas de cimento
esqueletos e ferrugem
o amor esta nu na cama
recomeçar a escrever e lanço-me na quarta-feira finita
despoesia
os pés descalços na rua
a traduzir comoção despudorada
obscena
inquietação pulsa no corpo
II
minha vida
arrancada e salva a ferros
permitiu-me ser com a palavra
e inventar poesia
tradução do existir
palavra com palavra
tijolo perene
minha casa
sangue oxigenando as entranhas
nas escadarias da memória
meus cinquenta e nove anos
saudade de areia cobrindo
cartas esquecidas
fotografias sem data
desassossego na exposição dos segredos
rude revelação
ruas por onde andei
amigos sem endereço
elos desatados
a barba alva
rugas do rosto
brilha no olhar
fulgor de Marte
me faz atônito
reler as palavras
levadas na tarde
cidade vivendo seu normal
bruscamente anoitece
sobre a caneta e papel...
Janelas
junho desperta aquecido
em moldura azul
quaresmeiras explodem
flores violetas
estica-se o amar
a bic busca uma rima
reflexos luminosos no espelho e ausência de poesia
o silencio dos pardais
afinal para onde foram ?
meus passos lentos
as mãos na argila
a modelar calendário
arquivo da memória aberto
ecos distantes e palavras esquecidas
dias velozes
identidade e travessia
corte e sangue
março escorre no asfalto
rascunho perdido
cidade sob aguaceiro
afogando demônios
mapas submersos
aprendizagem cega do amar
arranhada comoção
subversão e cópula
escrevo para não morrer
entre meus dentes
faca afiada
estilhaços de poesia
sem métrica
sem pudor
corpo d'água
claudicante escrever
apagar calendário
deusas do destino
no circulo do relógio
bigodes imigrantes de meu avô
pele negra de minha avó
datas perdidas
trama tecida fio a fio
fios de todas as criaturas
cenários de sombra e luz
no circulo do relógio
meu passo lento e bengala
acumulo de verões
tecer o amar
no circulo do relógio
redemoinho dos antepassados
giram os ponteiros
cegos para o passado
perecem as células
dias de resiliência
aquilo que poderá vir a ser
sobre meu corpo
o poema fermenta e cresce
conjugando geografia
simbiose de palavra e som
engrenagens do tempo sem asas
respiro alvorada
verbo trancado na boca
o amor debate-se nas ruas bêbadas de solidão
fugir da ferrugem
cinzenta cidade e barba alva
amor primitivo
incendeia o ar
corpos amantes
ama-me argêntea indiferença
amar alem da carne
exangue
Verbo
respira comigo palavra
circula pelas entranhas
rompe o poema
subversão furiosa
a traduzir a vida
pretéritas fotografias suturadas na carne
silencio seco das dores vividas
sob ventania faminta
azaleias resistem
o amor anda nu
entre as torres da cidade
lucidez fatiada
janelas escancaradas
anima múndi
de um ponto na folha de papel
ângulos, retas, curvas, teoremas
planetária geometria
na gota d'chuva espelho dos oceanos
movimento e frase musical
ressonância e furor do fogo, água, terra e ar
a superar o caos
Genitora Gaia
nas mãos sementes de árvores e flores
presente passado futuro
conjugados debaixo das unhas
colados à memória das células
a profusão do porvir
amoroso brilho dos astros
"Eppur si muove"...
múltiplas são as faces do criador
Recortes
chuva incansável modela imagens luminosas
espelhos quebrados no asfalto
desafio de escrever verso impermeável
nos olhos da chama
corpo da poesia iluminado
lanço-me argonauta sem bussola
metabolismo dos sonhos
a incendiar geometria urbana
o amor sem esqueleto desperta
rosa e espinho a gotejar
alvorada rubra
Corpo
recolher do momento que passa
fragmentos difusos
urdir simetria da crua poesia
despem-se rascunhos
dicionários
esculpida imagem
verbo embrionário
morder a isca
movimento elétrico das palavras
em cada centímetro da pele
portas entreabrem-se
pétalas de tinta
potes de música
fotografias de luz
fuga da lucidez
procuro ancoras
devoro tua nudez
insólita geometria
a sustentar o peso da galáxia
e o sonho dos peixes
caderno de poesia
entre linhas jazidas de poesia
adormecem com as plantas
os olhos espreitam navios da palavra
oceano com sede
entre linhas
timbre musical comovendo cenário urbano
há muito reporta-se a tragédia
há muito trama-se a morte
escrevemos história dos homens
sem poder olvidar
entre linhas palavra lavra
delírio de lagarta
sons uterinos
movimento das cores
silvo das serpentes
sal da terra
entre linhas arrebatamento e espanto