sampa mom na amour VI
1985
logo cedo estávamos no piquete
vamos levar porrada ?
dane-se pra puta que o pariu !
desde a praça da Sé gritou-se Greve geral !
centro velho paulista jabaquara pinheiros santo amaro osasco jundiaí
bancários nas ruas de sampa
éramos jovens na velha luta dos trabalhadores
enfrentar o que viesse e o escambau mano !
naqueles dias acreditávamos na primavera....
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micro poema VIII
o inferno dos vivos
o inferno dos mortos
desde sempre
marcha de ódio e lagrimas
escombros cicatriz
pelos campos do planeta sementes de ferrugem
cultivadas
distribuem ovos da guerra
exercito de refugiados afogam-se famélicos
mancha solar no quarto
ar abafado copo cheio de vazio
versos sem olhos
perde-se na folha de papel
gira a chave na fechadura
lugares fatos outras pessoas
cadeira de rodas
pinceladas aceleradas
primaveras espero desde sempre
curar feridas pouco a pouco
apagar os mapas
romper muralhas
inundar a opressão
lampejos libertários
ainda arrepiam a pele
2023 finda
lá fora começa chover com ventania...
micro poema VII
iniciação
são paulo sem garoa
rua libero badaró
papelaria do rosário
comprei canson e giz pastel
são paulo sem garoa
ruas no tabuleiro das falsas ilusões
melhor seguir adiante e espinho
pássaros não gorjeiam em sampa
maturidade
são paulo comoção vivida
giz pastel meu rosto mutante
meus limites e parafusos
álgebras tortas
dedos sujos de tinta
bandeiras levo comigo
cavalete aberto
das cinzas renasce o poema
meus pés descalços no frescor do chão
luz da tarde declina
compartilhar com os orixás
êpa êpa babá
micro poema V
12 meses
noite a dentro
calendário relógio desaparecem
inventamos medidas
o bairro dorme
datilografando algum verso
palavra foge
frase sem cabeça
amasso folhas de papel
luz da manhã
fantoches da insônia observam
rascunhos espalhados
mais um dia na pele
não dominamos nossa história
inquietação pela casa
rosto suado
luz da manhã revela
luta cega dos corpos
dobra dos lençóis
finito aroma no ar
micro poema IV
vento repentino
porta bate com violencia
cheiro de chuva invade a sala
agua pingando na pia
fio de faca emoções espalhadas
gotas grossas de chuva
armario gavetas vazias
sem bilhetes sem pequenas lembranças
sem bugigangas
lixeira vazia
distante chaleira avisa agua fervendo
o escuro abraça as horas
suor escorre no rosto
radio anuncia epidemia nos continentes
chaves cadeados correntes
unhas crescidas
cabelo em desalinho
aroma de pele diluido
incertezas no espelho
vivemos sabados
domingos
esquinas desertos
micro poema III
vento voraz varre gravetos madrugada
boia imensa lua no espaço
geometria cega dos astros
braços multiplos
frenesi das bocas
calendário trincado
ferrugem urbana
verbetes embaralhados
um dia seremos a mesma humanidade ?
revolução dos famélicos
muros de espinhos
pés descalços
gramatica das cores
cavalete aberto
andar pelas ruas
abraçar o azul sem limites
Ogum capê dã pelu onibã...
micro poemas II
I quarta vez a rascunhar
aprendi a desenhar sobre telas com lápis de carpinteiro
Franulic e suas galáxias
II aspirador gritante abafa o rock de Pitty
minha filha em Salvador
congresso dei professore di italiani
odoya Iemanjá
III dias mais curtos
esticamos os sentimentos
o teto em ruinas da casa materna
ecos de sorriso choro ranger de dentes
fechei as portas
em pasta de documentos as certidões as lembranças
recibos processos
IV aprendendo a amar
dor incansável no quadril analgésico inútil
adentrar sala de cirurgia
parafusos chapas de raio X
V cascalhos de luz no apartamento
abrir os livros entender nova Babel
os cartazes do desencontro
baldes e vassouras não descansam
Sísifo expõe suas correntes.
micro poemas
I novembro desnudo
luminosidade solar
dias em brasa
debaixo do chuveiro
chover palavra
II anjo da morte sorri
na TV no celular
cidades destroçadas
bombas sangue crianças mortas
pétalas do amar a socorrer
suturar
III verbo rebelde pulsa
recolho poesia acéfala
descaminhos da história
adormecem andarilhos famintos
sob a sombra dos edifícios
IV amor resiliente
sobrevive as chagas resistentes
gráficos analises para acumular
esqueletos de Hades cavalgam nas cidades
V noites sem limites
cicatrizada na carne
ruas desertas
ecoam motores
galos madrugadas
cultivar sementes de sol
novembros comigo...
graduação
quando estudante de poesia
datilografava noite a dentro
executava parnasianos
salada mista Oswald Mário
Apollinaire Apollinaire
doses duplas de João Cabral Drummond
toda a poesia de Gullar
datilografava o sentimento do mundo
as múltiplas faces de Pessoa
fogueiras de Maiakovski
rascunhos em cinzas renasciam na madrugada
Baudelaire Baudelaire
abertas as bandeiras de Manuel
"amo-te assim porque não sei"
a primavera de Neruda por chegar
hoje olho no espelho
ainda procuro poesia
salvação dos homens
sampa mon na amour V
pneus rodando na paulista
edifícios ostentam poder
livrarias e cines
deserta avenida
velocidade vento no rosto
éramos rebeldes
a sonhar revolução
pneus rodando
sabor dos lábios molhados
nas travessas do bexiga
amanhecer com o samba
pizza e vinho
mangia che ti fa bene
pneus descendo a rebouças
os meus amores são feitos de original
marionaima
pneus atravessando a ponte do rio pinheiros
recortes de amores esquecidos suicidam-se
nas aguas enegrecidas
pneus correndo deixam para trás
favela são remo em sombra adormecida.
impiedoso chover
escurece a cidade
café frio esquecido no copo
aguas sujas invadem avenidas
lembranças tortas sem cura
córregos devoram a periferia
raios e trovoes iluminam a nudez
a sede das bocas
edifício na escuridão
elevador travado no hall
alarde de sirenes
televisão repete programação
os ponteiros parados da cozinha
a eternidade...
Sampa mon na amour IV
praça da sé
cigana lê o destino
profeta brada apocalipse
descaminhos do metrô
Tom Zé forrosando triangulo zabumba
catedral catedral
praça da sé
praça com fome
praça com fome
quanta dor
banho no chafariz
trago de cachaça
sacra e profana oração
correria confusão
celular roubado
moradores de rua
aguardam anjos da salvação
escadarias da sé
escadarias da sé....
capricórnio entre marte e saturno II
na tarde descascada
o amor fritava nas ruas
Calvino e Dostoievski acumulados me espreitam num banquinho
sábado escorria depressa
durante a epidemia pintei muitas telas
as paredes do apartamento uma galeria
a prótese incomoda envelhecida
provocando dores intensas
breve voltarei ao bisturi serras brocas parafusos
dias de internação hospitalar
o sol desaparece
cai o breu abafado enorme
ventania revolve lembranças em preto e branco
vozes ecoam do pretérito nem sempre mais que perfeito
desbotadas com o passar dos anos
sentimentos difusos em círculos
na noite descascada me despem
noticias televisivas em baixo som trazem explosões e desespero da Palestina
a poesia encurralada serve de prece pela humanidade
outubro derradeiro sorvido rapidamente e copo vazio
rompendo silencio do apartamento novo disco dos rolling stones começa ecoar
chama da vela perene imagem de Ogum iluminam noites por viver
o domingo trará cicatrizes na pele dos homens...
