terça-feira, 17 de abril de 2012

Pagina inicial

Setembro rompe cascas
expele flores
flores que fenecem
libertando imemorial palavra
metabolismo dos alfabetos
ciclo fecundo
         sem ser signo
         sem ser corpo
         sem registro de datas
a mineral construção do verso
elemento do caos original

Pelas ruas sem nome
bocas e dentes desfilam fome
geografia do avesso
velocidade dos dias levados na ventania
Entre luzes e avenidas
descaminhos da dor
amor cicatrizado esparrama aroma no ar
ecoa a morte do tempo
sem pudor sem deuses
manipulo derradeiro poema

           Vivo, respiro
            as cidades, as pedras
            metamorfose das cores
            arquitetura dos sonhos
            perigo de queimar na chama de um fósforo

Em meus dias
guardo calendários embaralhados
livros inacabados
telas grávidas de luz
resistindo fragmentos de sol
circulando nas veias...

sexta-feira, 9 de março de 2012

PRONTUÁRIO 176565



Dedico aos drs. Cleverton e Rosana do hospital Regional/Osasco



Escreverei palavras com raízes

ramificações do real

num oceano de alfabetos e sons

As emoções vividas

circulam sangue e esqueleto

desnudando cicatrizes urdidas no corpo

Escreverei meus versos nas pedras da cidade

e depois esquecer...

brevidade da palavra que vibra

nos degraus do tempo

necessário refazer os passos

refazer caminhos esquecidos

aspirar e expirar

os sonhos recortados

o claudicante amar

revividos da dor



Noites e dias

calendário sem números

pelos andares do hospital

saudade azul e alvorada solar

brilhando nas mãos

com coragem e fé

escreverei....



A cidade não esconde seus pecados

sirenes e motores

reportam cotidiano da angustia e analgésica solução

No quarto de hospital

identidades cruzadas

urdindo dramas anônimos

identificamo-nos fraternos

Cidade nua

não faz assepsia de suas lágrimas

pelos corredores do hospital

espalhar utopia de Hipócrates

sementes de sol

o perfume dos anjos

pintar lúdicos girassóis

versus a lógica exata dos instrumentos cirúrgicos



Profilaxia bacteriana

a ressonância da linha do nascer e do morrer

Com unhas e dentes





retomar um passo após o outro

escreverei o sol a aquecer

meu viver...

quarta-feira, 7 de março de 2012

ECOS URBANOS



Há um verso enlouquecido no ar

em cada esquina, cruzamento, alamedas,

verso faminto a iluminar os becos escuros

a solidão argêntea dos apaixonados

há um verso sobrevivente

roendo a ferrugem da cidade



Há um Mário

há um Oswald

há um Carlos

todos Andrades mestres na poesia

nos versos que escrevo

Há um verso pichado nos muros

o amor fazendo sua ronda

a desnudar bocas molhadas

antropofagia lasciva dos amantes



Há um silencio e escuro

devorando os livros na estante

há um navio sem bússola na noite cega

há um corpo procurando outro corpo

há um gotejar de palavras

armazenando sentimentos

arquivo dos anos vividos

verso esparramado na tela

comovendo o olhar do pintor

multicor sedenta sem tradução



Há um verso a brotar

na subversão dos sentidos

na brevidade da vida

verso selvagem expelindo crua beleza

apesar da crueldade

da brutalidade incontida

na aquarela urbana

Há um verso flamejante arranhado de luz

madrugada de ébano

ciclo em desatino

na carne do poeta

sem tratados sem métrica ou lucidez

cicatrizado em nossas vidas

há um reverso

há um só verso pulsando em mim !


terça-feira, 6 de março de 2012

QUADRANTE PAULISTA




São Paulo ! Comoção de minha vida...

Os meus amores são flores feitas de original”

Mário de Andrade





01

praça da Sé

estrala no sol

compro ouro compro prata

compro ouro compro prata

praça da Sé

sol de bíblia na mão

apocalipse no chão

desvairismo desdentado

ciganas i prostitutas i nordestinos i desempregados

i meninos a cheirar cola na Sé

catedral dral dral dral dral

bebados dormem nas escadarias do paraíso católico

praça do povo

comícios i ardor

Diretas-já

1 de maio

praça noturna

estilete i dor

praça armada

metrô dos descaminhos metrô aquecendo

noite fria dos meninos-ao-deus-dará











02



anhangá

ronda o vale

enfeitiçados esqueletos

baú



motores aquecidos

esquecidamente identidades

passarela

sobressalto assalto

catadores de papelão

amarrotado amar



negra noite

negror

negror

o vale concreto...



03



praça do patri(arca)

arca colonial

estigma

esquecimento & pó

estátua

poesia boiando no ar da arca

vidraça refletindo

teu desejo carmim

praça nua

poema parado

praça do patri(arca)

arcanjos ateus

namoram indecentes debaixo da estátua

do (pai da arca )

04



viaduto

duto férreo

sem santa nem Efigênia

vendedores de mapas

rota para poetar

vou embora pra ler Bandeira

vou embora encontrar Efigênia

viaduto

memória férrea

cruzar d'olhos elétricos

lojas em fios i luzes

eletrônica magia



rua de cimento

esquecimento i abandono

rua timbiras

rua dos gusmões i velhas prostitutas

estação julio prestes

zarpar hora d'cobre i sal

vou embora encontrar

marionaíma

escrever bachianas palavras.








ARADO E SEMENTE





Todas as palavras escritas

esperam outras nunca ditas

verso e reverso num só fruto

amadurecer o açúcar



instante de todos os sabores.

Escandalosa sede das raízes

desnudando verbo equilibrista

labirintos de perigo e salvação

calendário abrigando

bibliotecas banhadas no sal.



Palavra indomável

amor em silencio e escuro

a fecundar planícies estéreis

corpo inexorável

sou...

demasiado humano.
Sirius





Uma mulher de amarelo, funil de dezembros escorrendo pela boca escura da estátua morta. A mulher de amarelo olha viúva o desabar da noite pesada. Cada noite, uma marca na sua carne magra. Ao seu redor redemoinho de crianças-concreto, árvores-concreto, praça-concreto.

Emocionada espera esperança. Seu coração-tormenta poderia assim descansar de prazer nos carinhos do amante impossível. Embarca no mar de luzes da cidade-concreto-fumaça. Argonauta de cada noite perdida, a mulher de amarelo anda pelas ruas e esparrama bálsamo nas cicatrizes da cidade-concreto-fumaça.

Seu olhar de adeus, um labirinto tragando faminta as pessoas descuidadas que caminham ao seu redor. A mulher de amarelo arquiva faces. Após cada caminhada ela volta para a praça-concreto e fita desolada a vastidão do cosmo, a infinita distância de Sirius.




OBSCENO





...me lanço negro

na tinta hora

d' seu corpo

do tremulo instante

toda a poesia a consumir viva nudez.



Sem âncoras

sem amarras

noite na noite

sonoridade do corpo & desordem das bocas

comprimindo macia pele

lanço-me negro na desordem dos astros....


GAVETAS VAZIAS





Julho seco

abraça ruas, avenidas

periferia crua

sob concreto urbano.

As sementes conspiram primavera tresloucada

Vivaldi de tamborim e berimbau

prematuro carnaval bole

bocas carmim

mulheres cosméticas

cidade azul sepulta seus pecados

despindo amor acéfalo.

O poeta pesca navios

retalha emoções

inventa cores

faminto por palavras esquecidas

velhas amizades

e flores contorcidas buscando luz.

segunda-feira, 5 de março de 2012

ESTAÇÃO OSASCO










Implacável vento andarilho

varrendo trilhos urbanos

lembranças escondidas

identidades fugindo aos olhos

desbotado cenário suburbano.





Cálice da sede

embriaga-se com acordes de metal

o amor em desespero distribui flores decepadas para quem espera nas plataformas

de repente toda a poesia torna-se inútil,

implacável vento levando rascunhos

a palavra sem retoques.



Gente proletária lota os vagões

apenas olham sem emoção

apenas sobrevivem

apenas produzem mais-valia

o corpo balança no vazio

música férrea sem encanto

o poeta inventa semente de sol

para subverter com luz

cotidiano de resistência...






DIÁRIO



Calendário radiado

vertebrado calor e hora crua

urge amoroso cio das palavras

verso quebradiço nas mãos

tigre e furor

Póstumo janeiro

sem lágrimas e agenda carcomida

clarão queimando o escuro do corpo

incêndio correndo andares da poesia.







Escrevo com o pó das estrelas

caminho das tintas e dor

corpo a penetrar o corpo

peles tatuadas

ver verão cicatrizando sombra

cidade despida

uterina musica e céu escancarado.



Nuvens de lembranças

e beijo partido

faca cega, sangue, e biografia em lugar nenhum.






A rede











cabeça de peixe

dorme no prato

sonho em textura de sal

cabeça de peixe

mares, oceanos

identidades sem digital

mineral cumplicidade da porcelana e o animal



cabeça de peixe

genealogia abissal

milagre da multiplicação

cabeça de peixe

indumentária calcária

pré-existência dum alfabeto

em movimento natural

estrelas fulgurando geometria



cabeça de peixe

sonha o som

sonha o ser

cabeça de peixe

apenas esqueleto

apenas escuro

mapa sem instrumentos

âncora não existe

peixe sem ser

OBSERVADOR





Atrás das lentes o poeta

compõe mosaico de luzes e sombras

textura dos dias

a rejuvenescer o amar.



Seguirei meu caminho

radiografando a ventura de cada dia

álbum de emoções e palavra.

Atrás das lentes

volume múltiplo das existências

insistência em acreditar

e esquecer a dor.



Atrás das lentes

desfilam fatos cotidianos

encontros, desencontros, colados a pele

espreitar crepúsculo solar

jornada do planeta no espaço sem fim.








sábado, 3 de março de 2012

ESTRELA DA MANHÃ

ver vermelho entardecer

tarda a primeira estrela

signos urbanos sem sintonia

distorcido ritmo

pentagrama quebrado

descompasso comovendo olhares exauridos.

Concreto oceano de luzes

abrigando sentimentos famintos

cálice amargo sorvido

cravar os dentes

verbo e semente

renasceremos nas primeiras horas da aurora.

Ver brilhar primeira estrela

ver brotar raiz e navio

irmanados como aprendizes

rota e instrumentos

diante da curva linha do horizonte

argonauta e cotidiano bravio...


O GUIA DE RUAS





...procuro e sigo

por ruas de pedra

cruzando palavras vividas

retratos descoloridos

rolam no calçamento levados pelo vento

ruas entrelaçadas pela emoção

desnudando o amor



ruas molhadas de poesia.

Procuro e sigo assim

marcado por cicatrizes e jardim

brisa da serenidade bate no rosto

memória e gavetas abertas

ruas sem nome urdidas na pele

incendiando os passos deixados para trás

procuro e sigo

ruas sem fim...


sexta-feira, 2 de março de 2012

JARDINAGEM


...verde abril não acontecido
tardia flor de maio
florindo em junho
calendário estilhaçando
lembranças sonoras
amor tingindo cidade em preto e branco
no ar
sonho das cores
molde das palavras
usina de pétalas
abarcando nossas vidas.
TRADUZIR-ME


Reverbera sobre a cidade
claridade azul e limite
jogo algébrico dos ossos
presença dolorida consumindo as horas.

Na estante os poetas
quedam o meu inquietar
enquanto repousam na fruteira
maçãs oferecendo a face...
saio para a rua de bigode,óculos e bengala sem segredos
sem medos
a colecionar fragmentos da emoção
aprendiz de giz e lousa
reverbera sobre meu corpo
a essência das cores
esboço do amar
palavras por escrever.