quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

CADEADO





Guardo pacto secreto 
ao parir os primeiros raios do dia
orquestra motorizada ecoa
quantas palavras diluídas 
ao conversar com os fantoches da insônia
ao abrir a torneira da pia.
Guardo pacto secreto
lembrar aromas esquecidos
luzes e velocidade
cidade dentro de mim
país dentro de mim
Guardo pacto secreto 
as misérias humanas perpetuadas
ansiar a construção das cores 
resistimos e ferrugem
pacto secreto
a vida além da vida
sapatos na sapateira
talheres intactos,
livros no pó
caneta morta na mesa
Som coronário
sobrevive rubra palavra
fechadura e chave
invenção inútil levo comigo.  

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013





1969



...sons, cheiros, sentimentos invadem a sala
hora iluminada
olhar desfocado.
Música atemporal abre véu:
retratos em preto e branco
avós, tios, tias, primos,
casa paterna e cadeados abertos
rua de terra, pés descalços a claudicar
goiaba, amora, pitanga, bem-te-vi
bem-te-vi....
algodão-doce, pé-de-moleque, tubaína, correria no quintal.
Mágico rádinho de pilha: Elis Regina, Caetano e Gil, Beathes,
é gol....gol de Tostão, torcida brasileira....
na TV astronauta pisa na lua
bombas incendiárias abriam chagas no Vietnan
cicatrizes e lágrimas desfeitas no brilho de sol
Na rua Luiz Gama
sementes da palavra adormeciam
cores despertavam na tela da imaginação...

Naqueles dias reticentes
impunha-se nas ruas, fábricas, escolas silencio marcial
o amor andava as cegas pelas esquinas
dias de ditadura,  desaparecidos e guerrilha 
na árvore dos anos múltiplos recortes envelhecem meu corpo.   

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Limites



...suor escorre
fevereiro tremeluz
meu olho pirata
ano sem poesia
adianta olhar as horas ?

Raios fatiando espaço
algodão negro, negro,
nuvens despencando.
Jogo dados,
silvo dos deuses
probabilidades, trigonometria sem sangue
artroplastia de quadril e bengala
espesso chover, paisagem branca despindo a pele.

Ontens somados
matemática que não aprendi
hora sustenida
música sem salvação.
Noticiário   de TV
asteroide rasga céu russo
vingança de Rasputin ou Stalin ?
Luzes e negror
nenhuma comoção arroba ponto com
embriago-me nos olhos cosméticos
dispo agenda, calendário
em vão escrevo cartas 
pôr fogo em tudo
multiplicam-se as células 
até que a morte me separe.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Corpo



...as vezes as palavras dormem nos livros
então fico com sede
não há água para sacia-la
meu reflexo no espelho 
barba por aparar
...as vezes prefiro o som da chuva 
imaginar a rebeldia da semente rompendo a casca a terra.

...as vezes os espíritos antepassados 
entram na sala deixando aroma amigo
...as vezes as palavras florescem 
alarmante verbo me põe nu diante de imagens e cores
as vezes pululam fotografias cotidianas a desnudar cegueira do amar
as vezes olho o violão esquecido no canto da parede 
sobrevive som imaginário
desdenho...

Máquina Singer brother



Meu pai trouxe para casa 
máquina de datilografar 
estranheza a espreitar o objeto.
Eram anos de chumbo
nasce primeiro poema 
espanto na folha de papel
vinte anos 
linguagem a garimpar
cópula dos signos
Drummond, Bandeira, Oswald,
aprendiz de palavra.

O amor multifacetado 
sou brasa brasileira 
poema acelerado nos dedos
escadaria dos anos 
máquina de datilografar
gratidão paterna.


 Vidro e corte

Madrugada de ébano 
sabiás enchem de som palavras cegas a despertar
corpo amarrotado.

Amor despido
motores alertam a vida 
geografia e respirar
rádio anuncia cotidiano
madrugada na pele
hora sem esqueleto
morre líquida nas ruas 
nas páginas em branco

Estilhaços das cores 
ferem meu rosto
chuva e ventania
abarcam proletários gris.   

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

CADEIRA AZUL


Quero laçar palavra
lisa, arisca,
num instante desaparece
esboço de rima,
copo vazio

Cascalhos de luz
morrem no chão
não existe o verso
talvez outra coisa
cacos de vidro,
cadeira azul
fotografias na gaveta
sabor do amor na língua
não haverá poesia
a escrever
na noite veloz