SENHORES PASSAGEIROS, BOA VIAGEM !
Um
homem consegue olhar para dentro de si e ver sua própria imagem ?
Sem temer ? Olhar a própria nudez, não a nudez física, a essência
crua revelando o
ser
essencial. Sem maquiagens, adornos, mascaras, números de
identificação. Sem mesmo o próprio nome. Apenas o homem ?
No
banco de cimento da praça Carlos olhava fixamente o brilho solar
por entre as folhas das arvores, Sentia alivio, conforto, só
queria ficar ali hipnotizado com o movimento do vento sobre as folhas
refletindo pontos de luz e esquecer. Um homem pode fugir de seus
pensamentos ? Ignorar talvez. Pensou. Sentado na praça durante horas
Carlos procurava nos labirintos dos anos, sua essência, como se
fosse possível encontrar outro homem Carlos.
Sentado
no banco da praça parecia uma estatua viva, queria esquecer,
apagar a lembrança de Laura. Nunca tinha tido envolvimento serio com
mulher alguma, sempre manipulou os sentimentos femininos, agora
via-se envolvido completamente estava apaixonado doentiamente por
aquela dissimulada. Queria sair dali entrar num boteco e tomar uns
tragos, e mandar tudo para o inferno, mudar
tudo
na vida !
Um
belo final de dia cheio em luminosidade, contrastando com o
amargor que sentia. Carlos, demitido no fim do expediente, o porco
do gerente, com aquele olhar sínico o sentenciou na lata ! O senhor
esta na rua ! Passe no DP amanhã ! Sem emprego, dividas para
pagar, de repente, começa a dar escancarada gargalhada, rir da
própria situação. Levantou, ajeitou a camisa, a calça, atravessou
a praça, a rua, entrou no bar encostou o cotovelo no balcão pediu
uma cerveja, uma aguardente.
Em
dois goles tomou a aguardente, fez cara feia, a imagem de Laura surge
a sua frente, fora enganado estava pensando até em casar. Ela o
traia durante meses com um homem bem mais velho, um executivo.
Começou a desconfiar e num descuido dela ele silenciosamente
descobriu a traição. Corno e desempregado ! Logo seria motivo de
piadas. Laura me paga ! Disse para si mesmo.... Estava com um trinta
e dois no bolso interno do paletó, não podia aceitar tamanha
vergonha ! Adquiriu a arma de um garoto, um pilantra conhecido nas
baladas.
Liga
para Laura, não atende, cai na secretaria eletrônica, que merda!
Laura estava evitando falar, enfurecido Carlos começa a caminhar
pelas ruas do centro da cidade sem direção certa, se pudesse
desaparecer seria ótimo pensou. Quase vinte horas, as luzes e
reflexos noturnos brilhavam, machucavam seus olhos sua alma, as
pessoas caminham apressadas pelo calçadão, transtornado Carlos
tromba com varias pessoas, é xingado, empurrado cai na calçada.
Levanta, resolve ir esperar Laura chegar em sua casa. Ficaria
escondido como um assaltante para surpreender aquela vira-latas,
assim aconteceu. Pegou o ônibus, desceria alguns pontos antes de
chegar em sua casa e ia cobrar satisfações daquela sem-vergonha,
piranha ! Amava Laura, a desejava com loucura, não ia permitir que
outro homem a possuísse. Estava disposto a tudo ! Envolto a
pensamentos de ódio e vingança ele escondeu-se num terreno baldio
no meio dum matagal próximo a sua casa.
Laura
morena escultural, olhos negros penetrantes, lábios carnudos, pernas
torneadas, seios fartos sem silicone, atraiam os olhares masculinos
para si, sentia-se extremamente vaidosa com isso, sabia esnobar os
homens e manipula-los, bancária, sub-gerente, estudava a noite,
fazia curso de contabilidade, batalhou muito para conquistar seu
espaço, tratava os homens como bem entendesse, não via a hora de
despachar o Carlos com sua fixação em casar.
Queria
ser livre apenas, usar os homens quando quisesse, obter vantagens
materiais dos homens, não ter compromisso. Precisava dar o fora no
Carlos, ele estava muito pegajoso, agora que estava de novo caso com
um executivo do banco de Londres, homem de meia idade, todo certinho
mas caiu na sua lábia, o fulano tinha muita grana e vivia babando
por ela. Pensava num apartamento chique, sair do bairro distante !
Morar nessas quebradas, pegar metro, ônibus lotado, chega ! Ia
pedir um carro para o seu amante, por que não ? Ele estava montado
na grana, um carro não era nada para ele. Agora o Carlos...esse era
um duro que vivia fazendo contas! Um trouxa que comia na palma de sua
mão bem quietinho. Precisava despachar o Carlos logo. Ele estava
ligando toda hora, cobrando coisas, que saco ! Nunca gostou de dar
satisfação.
Naquela
noite o encontro entre os dois não acontece pois, Laura não vai
para casa, resolve ligar para para o outro e combinam encontrar-se no
shopping e dali foram jantar na Alameda Campinas, enquanto Carlos
fica de tocaia no matagal. Cansado de esperar, e bêbado, adormece
por ali mesmo, na madrugada é surpreendido por dois assaltantes um
deles é o mesmo que vendera o revolver, lhe tiram tudo até as
cuecas ! Fica nu. Desesperado não sabe o que fazer. Começa a andar
pela rua, buscar ajuda, precisava encontrar um orelhão, ligar para
alguem o socorrer.
Enquanto
isso Laura estava no motel seduzindo com seus talentos sua nova
vitima , o executivo de banco que estava completamente enlouquecido,
com suas caricias. Ela ficava excitada a cada nova aventura sexual,
necessitava sempre de variadas experiencias para saciar seu desejo.
Um novo amante era como conquistar um brinquedo novinho até que
quebrasse....
Carlos
acabou indo parar na policia. Uma viatura é acionada para encontrar
o tarado que andava nu pelo bairro, uma denuncia por telefone
informara que havia um tarado solto pelas ruas. Ele explica ao
delegado parte do que tinha acontecido, o assalto, estava sem o
revolver, a tentativa de homicídio ficou apenas em sua intenção
intima o que melhora sua situação. Foi liberado, com roupas
doadas. Carlos volta para o apartamento, não consegue dormir, da
janela olha fixamente a cidade impiedosa, a pista solitária do
minhocão, sente a alma deserta, humilhado pelo filho da puta que
vendeu o trinta e dois, desejava mais do que nunca vingar-se de
Laura !
Carlos
Oliveira, 27 anos, ex-encarregado de seção, demitido, e corno !
pouca coisa para escrever no curriculum, necessitava buscar o pão de
cada dia com esforço. Iludido por um amor leviano, Laura mulher
sedutora, dissimulada, uma aventura sexual, apenas atração
física... Agora percebeu-se usado, sempre fora um “bon viveur”,
agora foi jogado fora, um trouxa ! Um corno caído na sarjeta da
vida....Logo pela manhã estaria na fila dos desempregados,
entregando curriculum nas agencias de emprego.
Atordoado,
Carlos vencido pelo stress acaba por adormecer no sofá, os primeiros
raios da madrugada reverberam pelos prédios, ruas, avenidas, casas,
alaranjando a anárquica arquitetura urbana. Acorda com a luz solar
no rosto. Novo dia, la fora os desafios do cotidiano espalham-se
para cada habitante da cidade.
Laura
percebe o distanciamento de Carlos, passaram-se duas semanas e ele
não ligou mais, o remédio deve ter resolvido, estava em ótimo
andamento seu plano de conquista, a tão desejada independência
financeira. Detestava lidar com certos tipos, mas a necessidade
forçava a solução de problemas, liga para Pedro, e este, confirma
que Carlos havia caído direitinho na sua trama, deixaram Carlos nu
depois do assalto, sem arma, sem lenço nem documento. Um leve
sorriso forma-se em seu rosto, o “laranja” não preocuparia mais
pensou, garante a Pedro o restante do dinheiro combinado, tinha que
livrar-se daquele chiclete !
Pedro
rapaz boa pinta, caiu na marginalidade, jovem de classe média,
sempre teve tudo o que quis, começou como aventura com pequenos
furtos no shopping, roupas de grife, formou um bando para sequestros
relâmpagos, clonavam cartões, entrou no trafego de drogas, peixe
pequeno, numa boate conheceu Laura, satisfaziam-se ocasionalmente.
Ela passava a Pedro dicas dos bons clientes depois participava da
divisão do dinheiro. Laura vivia construindo teias para os homens
que a assediavam, e os usava conforme seus interesses e ambição.
Carlos
durante semanas perambula pelas agencias de empregos, condomínio
atrasado, telefone vencendo, finalmente é convocado a apresentar-se
a uma empresa com inicio imediato. A velha historia de sempre,
salario apertado, cortar despesas, emprego longe, acordar cedinho,
esperanças que morrem e revivem depois.
Inicia
na empresa no almoxarifado, empresa de eventos publicitários em
plena expansão no mercado, começar do zero era a alternativa de
Carlos, mas não esqueceu de Laura, dia a mais, dia a menos ele lhe
daria o troco.
Amadeo Valadares, o mais novo enebriado por Laura, homem de
meia-idade com cargo executivo e testa-de-ferro do banco de Londres,
divorciado, bem solucionado na vida, poderia até parar de trabalhar
como empregado, mas tinha ambição pois sabia que poderia chegar
mais longe ! Funcionário de carreira no banco de Londres, banco que
só movimentada altas contas e transferências gordas para o
exterior.
Frequentava
a casa, festas de grandes empresários, confidente de mulheres
insatisfeitas, políticos, advogados, jornalistas, lideres
religiosos, influenciava sem aparecer em contratos comerciais,
acordos políticos, obtinha informações antecipadas de licitações
do governo, lhe custando pagamento de propinas, mas valia a pena pelo
retorno, mantinha atualizada agenda de clientes especiais. Conhecia
bem as fraquezas humanas, suas taras, os segredos da alma humana e
com maestria manipulava as situações a seu favor. Tinha tramite
em toda a alta burguesia paulistana, embora não fosse homem refinado
de alta cultura, representava facilidades para quem quisesse
transformar dinheiro sujo em dinheiro limpo, enfim era ótimo te-lo
como aliado, bastante conveniente em momentos de dificuldades,
personagem temido, ardiloso, severo com os caloteiros pois, tinha
seus contatos discretos na criminalidade, verdadeira eminencia
parda conhecia o mapa dos desvios e atalhos do sub-mundo.
Estava cego de paixão por Laura, numa das feiras do automóvel no
Anhembi a conheceu, modelo radiante atraindo clientes para si e venda
de carros, mordeu a isca, podia ter um catalogo de mulheres, mas
estava louco de desejo por Laura, sabia de sua fama de peçonhenta,
mas assim mesmo a desejava, parecia um feitiço, agora estavam
juntos numa grande e definitiva jogada, não poderia dar errado
estaria alcançando a riqueza e poder que sempre desejou na vida.
Junto
com Laura, Amadeo criou uma ONG de fachada, “Esperança Verde”,
captaram somas de dinheiro do trafego de drogas, contrabando de
pedras preciosas, cigarro paraguaio, armas, jogam o dinheiro em
campanhas eleitorais, projetos ecológicos como utilização da
energia do mar, reciclagem de lixo industrial, utilização racional
da agua, pesquisas com plantas medicinais e cosméticos, preservação
dos mangues, do peixe-boi, tudo bem acobertado pelos bons contatos na
receita e policia federal, a ONG impressionava até populares,
repercutindo em Brasília, conseguindo prestigio, demonstrando sua
preocupação com o futuro, só que nenhum projeto saia do papel,
tudo virtual. Amadeo sorrateiramente era homem forte no trafego há
muitos anos, sua fantasia de executivo ocultava e escancarava
portas, tudo ficou mais fácil com a onda das ONGS. O empresário,
cabeça da “Esperança verde” era um homem discreto que ninguém
conhecia, não aparecia em publico, verdadeiro filantropo. Era o
Carlos, laranja, ex-de Laura, usaram seus documentos, para abrir
a ONG, e uma conta corrente conjunta com Laura no Caribe, para onde
remetiam grandes somas de dinheiro. Estavam preparando um golpe
final, pois seu contato federal o alerta sobre a dificuldade de
manter oculto a lavagem do dinheiro, então começou a apressar a
transferência para a conta conjunta de Carlos o dinheiro dos
clientes especiais mais o montante dos outros investimentos feito
isso sairiam do país rapidamente antes da bomba estourar, e assim
Laura e Amadeo sairiam em turnê pelo mundo e bye bye Brasil....
Carlos
aos poucos refazia-se do baque, levava uma vida comum a todo
assalariado, não queria complicação com mulher, queria viver em
paz refazer sua vida. Quase estava esquecida sua vingança quando,
passado meses do convívio atordoante com Laura, fica estupefato com
a manchete dos jornais: ONG Esperança Verde e Carlos Oliveira na
mira dos federais !
Assustado
com a coincidência do nome, compra o jornal para ler a matéria, a
policia federal estava na busca do cabeça da falsa ONG que fazia
trafego de drogas, lavagem de dinheiro, e um monte de merda, caramba
! Seus documentos e a papelada das falcatruas da falsa ONG já
estavam na mão dos federais, era questão de dias para prender o
cabeça.
Laura
aquela filha da puta ! Pediu uma vez meus documentos para abrir um
crediário, mentirosa, foi para me enterrar vivo ! No caminho para o
trabalho decidiu que tinha que resolver em definitivo essa armação
! Foi atras de Laura, não a encontrou na agencia que trabalhava,
tinha saído do banco. Foi até sua residencia, a casa estava
fechada. Pula o muro, a vizinhança não percebe a invasão, força a
porta dos fundos e entra, começa a vasculhar tudo até encontrar uma
agenda com endereços e telefones, sai ao encontro de Laura. Liga
para algumas pessoas como se fosse um parente distante que estava
chegando em São Paulo e precisava encontra-la, surpreso descobre que
ela estava a algumas semanas morando num aparte hotel na Bela Vista
próximo a avenida Paulista com um executivo de banco estrangeiro.
Carlos
precisava encontrar Laura antes que o pegassem, vai até o
aparte-hotel fica nas proximidades observando o movimento, depois
de meia-hora, ela aparece, desce de um taxi, ele avança para cima
dela e agarra seu braço com força. Preciso de uma satisfação !
Por que você me prejudica ? Estou para ser preso ! Megera !
Atônita
e surpresa com o repentino encontro Laura pede calma a Carlos
convida-o para subir no apartamento para conversarem evitando os
olhares públicos.
Nervoso
e tremulo Carlos entra no prédio segurando o braço de Laura, eu
devia torcer o seu pescoço ! Ela sentia forte atração por Carlos,
mas ele tinha grave defeito, não tinha grana, mas suas qualidades de
amante a excitavam. Carlos observa os detalhes de luxo do
apartamento, e percebe aquele brilho de desejo nos olhos de Laura,
resolve avançar sobre seu corpo, ela cede, beija sua boca,
desabotoando sua blusa. Despidos, ela o conduz para o quarto, para o
conforto dos lençóis macios....
Carlos
poderia ser preso a qualquer momento, com certeza a policia já tinha
baixado no seu emprego, não poderia voltar. Laura muda os planos,
afinal poderia te-lo como amante também, Amadeo não tinha
preconceitos e poderia aceitar bem ter os dois como amantes, manda
Carlos ficar no apartamento esperariam por Amadeo, e o levariam para
o Caribe.
Ao
anoitecer Amadeo chega no apartamento, sua reação é tranquila ao
deparar-se com o Carlos, o laranja, Laura usa sua conversa sedutora,
maliciosa, para convencer Amadeo, afinal usando Carlos eles
conseguiram dar o golpe certeiro que os deixariam em questão de dias
ricos. Carlos tinha qualidades como amante e ela sempre desejou ter
dois homens e Amadeo não era um conservador na cama, sensibilizou-se
com a situação de Carlos e ele era atraente, simpático... adorava
improviso.
Mais
uma vez Laura consegue seu intento, era preciso providenciar
passagem, documentos falsos e uma boa maquiagem para disfarçar
Carlos e sair do país. Em questão de dias tudo foi providenciado e
então os três amantes, ricos e vistosos, chegam em Cumbica com suas
bagagens, embarcam num boeing rumo ao Caribe, de praias
paradisíacas, enquanto as manchetes dos jornais denunciavam com
alarde mais um grande golpe financeiro na cidade.
30/06/2011