SÉTIMO CÉU
Ela
começou com uma mania de comprar flores de plástico, depois que
levou uma picada de abelha quando ainda comprava flores naturais, no
buquê estava oculta uma abelha e ao tocar nas flores, sentiu forte
picada. Precisou tomar corticoide, foi então que descobriu que era
alérgica, e começou um vício de encher a casa com vasos e flores
de plástico. Achava melhor flores artificiais pois não murchavam e
não iam parar no lixo. Essa invenção humana era mesmo
extraordinária, boa maneira de economizar dinheiro pensava.
Sentia-se
feliz, realizada com tantas flores espalhadas por todos os cômodos,
várias cores, achava de bom gosto o modo como decorava sua casa.
Depois que os filhos casaram, vivia da aposentadoria do falecido.
Ainda mantinha seu antigo aparelho de som para poder ouvir seus
discos de vinil, ficava horas ouvindo Ângela Maria, Nélson
Gonçalves eram os seus preferidos. Mas a noitinha já ficava ligada
na TV.
Seus
filhos pouco ligavam para ela, eram muito ocupados, viajavam muito a
serviço, e o tempo disponível que tinham era para as suas esposas,
não tinham filhos, e assim nunca viveu a experiencia de ser avó.
Dois filhos já maduros sem filhos, Dona Neusinha vivia sempre só,
enchendo a casa com flores de plastico, o perfume podia atrair os
insetos, detestava insetos. Ah ! as benditas abelhas !
Adorava
ir ao sacolão, comprava pouca coisa, umas frutas, verduras, o
básico, encontrar alguma vizinha e comentar o capitulo anterior da
novela, gostava das novelas, não perdia um capitulo, desde o Direito
de Nascer, na TV Tupi, sabia tudo, verdadeira enciclopédia, usava
o vídeo-cassete para gravar os capítulos das novelas.
Especializou-se no assunto , escrevia para as emissoras criticando
personagens e o roteiro, gastava bom dinheiro em selos escrevendo
para os autores de novela. Jamais recebeu uma resposta, mas ela sabia
que qualquer dia o Gilberto Braga ou o Sílvio de Abreu iriam
responder aos seus comentários e quem sabe alguma emissora se
interessaria nos seus comentários e uma porta para o sucesso e
realização iria chegar, seu sonho, ser autora de novela! Assistia
todos os programas de fofoca, sabia tudo da vida dos atores, tinha
caixas e caixas de revistas de novela, ao passar pela banca de
jornal, era a alegria do jornaleiro. Assim era dona Neusinha
consumidora contumaz de flores de plástico e revistas de novelas.
Na casa não havia nenhum retrato do falecido, pois após sua morte,
descobrira que ele mantinha outra família. Aquele safado ! Enganada
quase uma vida toda, nem podia falar seu nome que começava a dar
urticária !
Os
únicos quadros que tinha na casa era um São Jorge lindo, todo
imponente, estava no seu quarto, a abençoar seu caminho, o outro era
dos rapazes quando crianças. O falecido tinha sido militar, oficial,
muito severo, cheio de arrogância. Era um prático, tudo era
preto no branco, quando os filhos eram pequenos, chegava ser
torturante ver ele fazendo da casa a continuidade do quartel. Nenhum
dos filhos quis seguir carreira para sua amargura. Naqueles tempos da
ditadura, ela desconfiava que ele estava metido em
coisas
secretas, mas nunca abriu a boca para perguntar. Nessa época, eles
frequentavam uma chácara de uns amigos e lá aprendeu a atirar em
alvos e em latinhas de massa de tomate, tornou-se eximia atiradora,
seu marido dizia que era patriótico defender o Brasil, mas graças
a Deus jamais Neusinha precisou usar as armas do marido, que ainda
mantinha em casa. Não se desfez das armas, estavam bem escondidas
as pistolas. Tinha uma debaixo dos travesseiros, por segurança.
Mantinha
em segredo os seus sonhos eróticos com os galãs da televisão. Sem
pensar ou desejar sonhava, com aqueles homens maravilhosos, lindos,
era sonho de uma noite inteira e com vários ao mesmo tempo. Dona
Neusinha tinha um fôlego, que o falecido nunca soube ! Ela acordava
satisfeita, subia até o sétimo céu e depois voltava, jamais
chegou a fazer aquelas coisas, mas sonhava com detalhes imperdíveis,
guardava segredo dela mesma, seus sonhos eróticos inesgotáveis, no
fundo no fundo, ela desejava sonhar todo dia, principalmente com o
Tarcísio Meira vestido de capitão Rodrigo, que homem ! Precisava
desviar os pensamentos, minha nossa ! Ir para a cozinha lavar os
legumes do sacolão, fazer uma mistura para o almoço...
De
quinze em quinze dias sua sobrinha mais velha aparecia para leva-la a
casa de antigas amigas para um joguinho de cartas, levava uma torta,
ou um sorvete para depois saborear uma merenda e fofocar o resto da
tarde.
De
manhã cedo quando ia para o banheiro, parava diante do espelho e
ficava vendo suas rugas, conversava consigo mesma sobre todos os
assuntos e ali ela fazia a lista para o novo dia, as vezes conversava
com o locutor de rádio, imaginando a pessoa do outro lado se era
bonito, feio, careca, gordo, magro...
Assim
ela vivia seus dias, satisfazendo-se de coisas comuns, até que um
dia abrindo a caixinha de correspondência, recebeu uma carta,
começou a tremer de emoção ao ver o remetente era a emissora de TV
! Finalmente alguém lia suas cartas, estava sendo convidada a
visitar os estúdios das novelas, e conhecer o autor de Paixão
Ardente , a novela sucesso do momento, ela leu a carta duas vezes,
ligou para a sobrinha para falar do convite, era seu sonho maior
sendo realizado !
A
ansiedade consumia Dona Neusinha, agora muito mais, e o peso na
balança aumentava cada vez que ela vivia essas crises de ansiedade,
mas não ligava e seguia em frente, comia pré cozidos, enlatados,
sorvetes, tinha preguiça de ficar dirigindo fogão.
O
médico recomendara dieta, moderação, seus exames estavam no limite
logo seria uma hipertensa, diabética podendo dar um treco de repente
e tchau bambino !
Numa
tarde ensolarada enquanto ela estava na varanda trocando a água com
açúcar que punha para os beija-flores, percebeu um movimento
diferente no quintal perto do varal de roupas, eram dois homens que
haviam pulado o muro prontos a querer dar o bote em sua casa ! Ela
não ficou apavorada, quietinha foi no quarto, pegou a pistola e foi
para a cozinha, de lá dava para olhar o quintal, os dois subiram os
degraus para entrar na cozinha, quando abriram toda a porta, Dona
Neusinha não pensou duas vezes, sua mão continuava firme, disparou
a pistola contra os dois invasores. Atingidos mortalmente
caíram
para fora da cozinha. Foi aquela confusão, verdadeira muvuca, na
rua os vizinhos saíram de suas casas, alguém já acionara a
polícia, aquela rua tranquila transforma-se em palco de
sensacionalismo televisivo. Muitas viaturas fecharam a rua, Dona
Neusinha levada a delegacia prestou depoimento de auto-defesa, o
delegado cumpriu as formalidades e logo a dispensou, o noticiário
policial deu grande salto de audiência, entrevistando a “vovó
pistoleira”. Dona Neusinha não teve sossego , todas as emissoras
queriam sua entrevista, sobre sua destreza e sangue frio para
enfrentar aquele momento crítico e perigoso. Todas as emissoras com
programação sensacionalista a entrevistaram menos a que ela queria.
Dona Neusinha conquistou seus quinze minutos de fama, viu sua foto,
nos jornais e revistas , menos na tão desejada emissora. Apenas
ligaram e cancelaram sua visita aos estúdios de gravação sem mais
nem menos.
Depois
do auge e esplendor da fama veio a tristeza por não poder ir nos
estúdios de gravação da novela do momento e conhecer de perto seus
ídolos. A emissora fugia desse público que fica saciado com
manchetes sangrentas e então Dona Neusinha não interessava para a
emissora.
Neusinha
ficou triste, depressiva, quase não saia de casa, engordou muito,
tornou-se hipertensa e diabética, transformou sua casa em depósito
de flores de plástico, pois não atraiam insetos, e sonhava quando
queria com Tarcísio Meira, seu capitão Rodrigo, envolvendo-a entre
seus braços, fantasias, ah ! Essas fantasias...
28/01/2011
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