terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

 SÉTIMO CÉU
Ela começou com uma mania de comprar flores de plástico, depois que levou uma picada de abelha quando ainda comprava flores naturais, no buquê estava oculta uma abelha e ao tocar nas flores, sentiu forte picada. Precisou tomar corticoide, foi então que descobriu que era alérgica, e começou um vício de encher a casa com vasos e flores de plástico. Achava melhor flores artificiais pois não murchavam e não iam parar no lixo. Essa invenção humana era mesmo extraordinária, boa maneira de economizar dinheiro pensava.
Sentia-se feliz, realizada com tantas flores espalhadas por todos os cômodos, várias cores, achava de bom gosto o modo como decorava sua casa. Depois que os filhos casaram, vivia da aposentadoria do falecido. Ainda mantinha seu antigo aparelho de som para poder ouvir seus discos de vinil, ficava horas ouvindo Ângela Maria, Nélson Gonçalves eram os seus preferidos. Mas a noitinha já ficava ligada na TV.
Seus filhos pouco ligavam para ela, eram muito ocupados, viajavam muito a serviço, e o tempo disponível que tinham era para as suas esposas, não tinham filhos, e assim nunca viveu a experiencia de ser avó. Dois filhos já maduros sem filhos, Dona Neusinha vivia sempre só, enchendo a casa com flores de plastico, o perfume podia atrair os insetos, detestava insetos. Ah ! as benditas abelhas !
Adorava ir ao sacolão, comprava pouca coisa, umas frutas, verduras, o básico, encontrar alguma vizinha e comentar o capitulo anterior da novela, gostava das novelas, não perdia um capitulo, desde o Direito de Nascer, na TV Tupi, sabia tudo, verdadeira enciclopédia, usava o vídeo-cassete para gravar os capítulos das novelas. Especializou-se no assunto , escrevia para as emissoras criticando personagens e o roteiro, gastava bom dinheiro em selos escrevendo para os autores de novela. Jamais recebeu uma resposta, mas ela sabia que qualquer dia o Gilberto Braga ou o Sílvio de Abreu iriam responder aos seus comentários e quem sabe alguma emissora se interessaria nos seus comentários e uma porta para o sucesso e realização iria chegar, seu sonho, ser autora de novela! Assistia todos os programas de fofoca, sabia tudo da vida dos atores, tinha caixas e caixas de revistas de novela, ao passar pela banca de jornal, era a alegria do jornaleiro. Assim era dona Neusinha consumidora contumaz de flores de plástico e revistas de novelas. Na casa não havia nenhum retrato do falecido, pois após sua morte, descobrira que ele mantinha outra família. Aquele safado ! Enganada quase uma vida toda, nem podia falar seu nome que começava a dar urticária !
Os únicos quadros que tinha na casa era um São Jorge lindo, todo imponente, estava no seu quarto, a abençoar seu caminho, o outro era dos rapazes quando crianças. O falecido tinha sido militar, oficial, muito severo, cheio de arrogância. Era um prático, tudo era preto no branco, quando os filhos eram pequenos, chegava ser torturante ver ele fazendo da casa a continuidade do quartel. Nenhum dos filhos quis seguir carreira para sua amargura. Naqueles tempos da ditadura, ela desconfiava que ele estava metido em
coisas secretas, mas nunca abriu a boca para perguntar. Nessa época, eles frequentavam uma chácara de uns amigos e lá aprendeu a atirar em alvos e em latinhas de massa de tomate, tornou-se eximia atiradora, seu marido dizia que era patriótico defender o Brasil, mas graças a Deus jamais Neusinha precisou usar as armas do marido, que ainda mantinha em casa. Não se desfez das armas, estavam bem escondidas as pistolas. Tinha uma debaixo dos travesseiros, por segurança.
Mantinha em segredo os seus sonhos eróticos com os galãs da televisão. Sem pensar ou desejar sonhava, com aqueles homens maravilhosos, lindos, era sonho de uma noite inteira e com vários ao mesmo tempo. Dona Neusinha tinha um fôlego, que o falecido nunca soube ! Ela acordava satisfeita, subia até o sétimo céu e depois voltava, jamais chegou a fazer aquelas coisas, mas sonhava com detalhes imperdíveis, guardava segredo dela mesma, seus sonhos eróticos inesgotáveis, no fundo no fundo, ela desejava sonhar todo dia, principalmente com o Tarcísio Meira vestido de capitão Rodrigo, que homem ! Precisava desviar os pensamentos, minha nossa ! Ir para a cozinha lavar os legumes do sacolão, fazer uma mistura para o almoço...
De quinze em quinze dias sua sobrinha mais velha aparecia para leva-la a casa de antigas amigas para um joguinho de cartas, levava uma torta, ou um sorvete para depois saborear uma merenda e fofocar o resto da tarde.
De manhã cedo quando ia para o banheiro, parava diante do espelho e ficava vendo suas rugas, conversava consigo mesma sobre todos os assuntos e ali ela fazia a lista para o novo dia, as vezes conversava com o locutor de rádio, imaginando a pessoa do outro lado se era bonito, feio, careca, gordo, magro...
Assim ela vivia seus dias, satisfazendo-se de coisas comuns, até que um dia abrindo a caixinha de correspondência, recebeu uma carta, começou a tremer de emoção ao ver o remetente era a emissora de TV ! Finalmente alguém lia suas cartas, estava sendo convidada a visitar os estúdios das novelas, e conhecer o autor de Paixão Ardente , a novela sucesso do momento, ela leu a carta duas vezes, ligou para a sobrinha para falar do convite, era seu sonho maior sendo realizado !
A ansiedade consumia Dona Neusinha, agora muito mais, e o peso na balança aumentava cada vez que ela vivia essas crises de ansiedade, mas não ligava e seguia em frente, comia pré cozidos, enlatados, sorvetes, tinha preguiça de ficar dirigindo fogão.
O médico recomendara dieta, moderação, seus exames estavam no limite logo seria uma hipertensa, diabética podendo dar um treco de repente e tchau bambino !
Numa tarde ensolarada enquanto ela estava na varanda trocando a água com açúcar que punha para os beija-flores, percebeu um movimento diferente no quintal perto do varal de roupas, eram dois homens que haviam pulado o muro prontos a querer dar o bote em sua casa ! Ela não ficou apavorada, quietinha foi no quarto, pegou a pistola e foi para a cozinha, de lá dava para olhar o quintal, os dois subiram os degraus para entrar na cozinha, quando abriram toda a porta, Dona Neusinha não pensou duas vezes, sua mão continuava firme, disparou a pistola contra os dois invasores. Atingidos mortalmente
caíram para fora da cozinha. Foi aquela confusão, verdadeira muvuca, na rua os vizinhos saíram de suas casas, alguém já acionara a polícia, aquela rua tranquila transforma-se em palco de sensacionalismo televisivo. Muitas viaturas fecharam a rua, Dona Neusinha levada a delegacia prestou depoimento de auto-defesa, o delegado cumpriu as formalidades e logo a dispensou, o noticiário policial deu grande salto de audiência, entrevistando a “vovó pistoleira”. Dona Neusinha não teve sossego , todas as emissoras queriam sua entrevista, sobre sua destreza e sangue frio para enfrentar aquele momento crítico e perigoso. Todas as emissoras com programação sensacionalista a entrevistaram menos a que ela queria. Dona Neusinha conquistou seus quinze minutos de fama, viu sua foto, nos jornais e revistas , menos na tão desejada emissora. Apenas ligaram e cancelaram sua visita aos estúdios de gravação sem mais nem menos.
Depois do auge e esplendor da fama veio a tristeza por não poder ir nos estúdios de gravação da novela do momento e conhecer de perto seus ídolos. A emissora fugia desse público que fica saciado com manchetes sangrentas e então Dona Neusinha não interessava para a emissora.
Neusinha ficou triste, depressiva, quase não saia de casa, engordou muito, tornou-se hipertensa e diabética, transformou sua casa em depósito de flores de plástico, pois não atraiam insetos, e sonhava quando queria com Tarcísio Meira, seu capitão Rodrigo, envolvendo-a entre seus braços, fantasias, ah ! Essas fantasias...



28/01/2011


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