SOB
O OLHAR DE NÊMESIS
Estávamos
em setembro, estávamos perplexos, não houve primavera, nenhuma
floração, predominavam dias frios de um azul avermelhado
cintilante. Sentimento de estranheza no ar. Na rua as pessoas
entreolhavam-se e quase diziam umas as outras: “Você percebeu que
alguma coisa esta estranha ?”
Pardais,
bem-te-vis, qualquer pássaro, voava emudecido pelas antenas e
quintais, um silencio estarrecedor começou a incomodar, inquietação
silenciosa que perturbava a todos, encontraram um argumento para
explicar o fenômeno, a inversão magnética dos polos. Certa noite,
nota-se a olho nu no firmamento um grande astro brilhando
intensamente, emitindo cor roxa azulada assustando os curiosos.
Seria o sinal do final dos tempos ? Sem mais nem menos, todas as
igrejas, de variados credos, começaram a ter lotação completa
todos os dias. Até mesmo os mais antigos sacerdotes, começaram a
expor publicamente seus temores, sua perplexidade diante das mudanças
inexplicáveis, o medo coletivo das pessoas, a ineficiente solução
escatológica não correspondia ao anseio popular. Cientistas,
profetas do apocalipse eram procurados pela mídia para explicar as
mudanças na natureza em todos os continentes.
Um
emaranhado de teorias, explicações cientificas, metafisicas
pululavam
nos
jornais, por todos os meios de comunicações, mapas enviados por
satélites,
analises
que mudavam a cada dia sem explicar a repentina alta das mares
devastando cidades litorâneas, invernos rigorosos em regiões
semiáridas, a morte de todas as especies de abelhas, pragas de
insetos surgindo do nada devorando tudo, a mudança de
comportamento dos animais domésticos, dos últimos animais que
restavam nas reservas florestais. Os rios amazônicos começam a
secar repentinamente, assim como todos os grandes rios espalhados
pelos continentes, os períodos de estiagem prolongam-se, o processo
de desertificação acelera-se, a água potável torna-se produto
muito valorizado, motivo de disputas e conflitos bélicos.
Banqueiros, o cartel internacional da droga, o vaticano, a
maçonaria, seitas diversas, comunidade científica, líderes
mundiais, grupos transnacionais, uniram-se secretamente e investiram
volumosas somas de dinheiro para a salvação mundial, inócua busca
para o desespero da burguesia. As nações ricas aceleram pesquisa e
produção de tablete alimentar, ração humana, aproveitando lixo
domestico, mas o que fica oculto da grande massa, e´ a reciclagem de
proteína a partir de cadáveres, dando ao tablete alimentar
porcentagem ideal de alimentação diária, condição para
sobrevivência e tentativa de controle social. O atendimento
psiquiátrico triplicou, surtos paranoicos agressivos, parecendo
pandemia a varrer as cidades. A situação começou a ficar fora do
controle, quando as colheitas de alimentos foi afetada principalmente
nos países ricos os primeiros a sentir dramática mudança.
Reuniões de cúpulas foram agendadas com urgência na sede das
nações, o estado de sítio foi imposto, os exércitos saíram para
as ruas para patrulhar a turba, prender e atirar em qualquer um que
tentasse pilhar lojas, bancos, supermercados, até começarem a
distribuir os alimentos racionados, posteriormente a ração humana.
A economia mundial entrou em parafuso. A agricultura parou de
produzir pois o solo estava esgotado e a agressiva radiação solar
consumia as plantas e a exposição dos campesinos a luz acelerava
rapidamente o sarcoma de pele. Quase não haviam peixes, algas
marinhas, recifes, nos oceanos, enormes embarcações de lixo
contaminavam os mares, as baleias estavam extintas, pequenos cardumes
agonizavam por oxigênio. O planeta parecia rugir como animal acuado
e ferido !
Então
volumosas explosões solares começaram a afetar todas as
transmissões, rádio, televisão, telefonia tudo parou de repente. O
pânico toma conta das ruas das grandes cidades, incêndios,
pilhagem, as tropas policiais rebelam-se e a partir daí a
degeneração social acelera-se rumo a barbárie. Os ricos montaram
nas suas propriedades castelos bélicos, armados até os dentes para
defender alimento e
água potável, enquanto a massa miserável formava grupos de guerrilha
para assaltar o pouco alimento natural que restava que era semeado e
colhido em terras restritas, não contaminadas protegidas por
estufas, inacessíveis, vigiadas para alimentar os ricos e sua
descendência, aqueles que ainda tinham dinheiro compravam no mercado
negro. O mercado negro proporcionou privilégios a pequeno grupo
comercial, que manipulava a economia e o poder politico centralizado,
enquanto a maioria agonizava diante da fome. O suicídio tornou-se
a via mais fácil para fugir do desespero, do que restava da vida,
procurava-se desesperadamente frascos com o elixir da esperança. A
violência, a lei do mais forte corria por todos os lados, não havia
mais valores morais, os compêndios jurídicos eram usados para
acender fogueiras nas noites frias. A instituição do Estado
desaparecera, a barbárie predominava finalmente, truculência,
execuções sumarias, doenças contagiosas ceifavam vidas,
canibalismo, violações, a vida humana estava movida pela
impunidade, instinto de sobrevivência. A esperança jazia dentro
de cada ser humano. Milhões de mortos, a humanidade dizimada
agonizava vivendo o umbral semeado por ela mesma.
Sentia
o suor escorrer no rosto, estava desesperado, corria tentando fugir,
sair daqueles becos escuros e fedorentos, gritos de ódio, de horror,
ensurdeciam os ouvidos, tristes figuras transtornadas vagavam como
espectros pelas ruas no cenário dantesco.
Cansado,
sentia muita sede, olhava a cidade destruída, queimada, tirava de
dentro de mim toda a energia e corria sem direção certa pois a
sombra da morte reinava soberana e não mais haveria dias de
primavera para recordar, quando estava prestes a cair numa enorme
vala de corpos, num salto de profundo desespero acordei bruscamente
com a respiração ofegante, tremulo e olhos lagrimejantes....
21/10/2011
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