segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

 SENHORES PASSAGEIROS, BOA VIAGEM !
Um homem consegue olhar para dentro de si e ver sua própria imagem ? Sem temer ? Olhar a própria nudez, não a nudez física, a essência crua revelando o
ser essencial. Sem maquiagens, adornos, mascaras, números de identificação. Sem mesmo o próprio nome. Apenas o homem ?
No banco de cimento da praça Carlos olhava fixamente o brilho solar por entre as folhas das arvores, Sentia alivio, conforto, só queria ficar ali hipnotizado com o movimento do vento sobre as folhas refletindo pontos de luz e esquecer. Um homem pode fugir de seus pensamentos ? Ignorar talvez. Pensou. Sentado na praça durante horas Carlos procurava nos labirintos dos anos, sua essência, como se fosse possível encontrar outro homem Carlos.
Sentado no banco da praça parecia uma estatua viva, queria esquecer, apagar a lembrança de Laura. Nunca tinha tido envolvimento serio com mulher alguma, sempre manipulou os sentimentos femininos, agora via-se envolvido completamente estava apaixonado doentiamente por aquela dissimulada. Queria sair dali entrar num boteco e tomar uns tragos, e mandar tudo para o inferno, mudar
tudo na vida !
Um belo final de dia cheio em luminosidade, contrastando com o amargor que sentia. Carlos, demitido no fim do expediente, o porco do gerente, com aquele olhar sínico o sentenciou na lata ! O senhor esta na rua ! Passe no DP amanhã ! Sem emprego, dividas para pagar, de repente, começa a dar escancarada gargalhada, rir da própria situação. Levantou, ajeitou a camisa, a calça, atravessou a praça, a rua, entrou no bar encostou o cotovelo no balcão pediu uma cerveja, uma aguardente.
Em dois goles tomou a aguardente, fez cara feia, a imagem de Laura surge a sua frente, fora enganado estava pensando até em casar. Ela o traia durante meses com um homem bem mais velho, um executivo. Começou a desconfiar e num descuido dela ele silenciosamente descobriu a traição. Corno e desempregado ! Logo seria motivo de piadas. Laura me paga ! Disse para si mesmo.... Estava com um trinta e dois no bolso interno do paletó, não podia aceitar tamanha vergonha ! Adquiriu a arma de um garoto, um pilantra conhecido nas baladas.
Liga para Laura, não atende, cai na secretaria eletrônica, que merda! Laura estava evitando falar, enfurecido Carlos começa a caminhar pelas ruas do centro da cidade sem direção certa, se pudesse desaparecer seria ótimo pensou. Quase vinte horas, as luzes e reflexos noturnos brilhavam, machucavam seus olhos sua alma, as pessoas caminham apressadas pelo calçadão, transtornado Carlos tromba com varias pessoas, é xingado, empurrado cai na calçada. Levanta, resolve ir esperar Laura chegar em sua casa. Ficaria escondido como um assaltante para surpreender aquela vira-latas, assim aconteceu. Pegou o ônibus, desceria alguns pontos antes de chegar em sua casa e ia cobrar satisfações daquela sem-vergonha, piranha ! Amava Laura, a desejava com loucura, não ia permitir que outro homem a possuísse. Estava disposto a tudo ! Envolto a pensamentos de ódio e vingança ele escondeu-se num terreno baldio no meio dum matagal próximo a sua casa.
Laura morena escultural, olhos negros penetrantes, lábios carnudos, pernas torneadas, seios fartos sem silicone, atraiam os olhares masculinos para si, sentia-se extremamente vaidosa com isso, sabia esnobar os homens e manipula-los, bancária, sub-gerente, estudava a noite, fazia curso de contabilidade, batalhou muito para conquistar seu espaço, tratava os homens como bem entendesse, não via a hora de despachar o Carlos com sua fixação em casar.
Queria ser livre apenas, usar os homens quando quisesse, obter vantagens materiais dos homens, não ter compromisso. Precisava dar o fora no Carlos, ele estava muito pegajoso, agora que estava de novo caso com um executivo do banco de Londres, homem de meia idade, todo certinho mas caiu na sua lábia, o fulano tinha muita grana e vivia babando por ela. Pensava num apartamento chique, sair do bairro distante ! Morar nessas quebradas, pegar metro, ônibus lotado, chega ! Ia pedir um carro para o seu amante, por que não ? Ele estava montado na grana, um carro não era nada para ele. Agora o Carlos...esse era um duro que vivia fazendo contas! Um trouxa que comia na palma de sua mão bem quietinho. Precisava despachar o Carlos logo. Ele estava ligando toda hora, cobrando coisas, que saco ! Nunca gostou de dar satisfação.
Naquela noite o encontro entre os dois não acontece pois, Laura não vai para casa, resolve ligar para para o outro e combinam encontrar-se no shopping e dali foram jantar na Alameda Campinas, enquanto Carlos fica de tocaia no matagal. Cansado de esperar, e bêbado, adormece por ali mesmo, na madrugada é surpreendido por dois assaltantes um deles é o mesmo que vendera o revolver, lhe tiram tudo até as cuecas ! Fica nu. Desesperado não sabe o que fazer. Começa a andar pela rua, buscar ajuda, precisava encontrar um orelhão, ligar para alguem o socorrer.
Enquanto isso Laura estava no motel seduzindo com seus talentos sua nova vitima , o executivo de banco que estava completamente enlouquecido, com suas caricias. Ela ficava excitada a cada nova aventura sexual, necessitava sempre de variadas experiencias para saciar seu desejo. Um novo amante era como conquistar um brinquedo novinho até que quebrasse....
Carlos acabou indo parar na policia. Uma viatura é acionada para encontrar o tarado que andava nu pelo bairro, uma denuncia por telefone informara que havia um tarado solto pelas ruas. Ele explica ao delegado parte do que tinha acontecido, o assalto, estava sem o revolver, a tentativa de homicídio ficou apenas em sua intenção intima o que melhora sua situação. Foi liberado, com roupas doadas. Carlos volta para o apartamento, não consegue dormir, da janela olha fixamente a cidade impiedosa, a pista solitária do minhocão, sente a alma deserta, humilhado pelo filho da puta que vendeu o trinta e dois, desejava mais do que nunca vingar-se de Laura !
Carlos Oliveira, 27 anos, ex-encarregado de seção, demitido, e corno ! pouca coisa para escrever no curriculum, necessitava buscar o pão de cada dia com esforço. Iludido por um amor leviano, Laura mulher sedutora, dissimulada, uma aventura sexual, apenas atração física... Agora percebeu-se usado, sempre fora um “bon viveur”, agora foi jogado fora, um trouxa ! Um corno caído na sarjeta da vida....Logo pela manhã estaria na fila dos desempregados, entregando curriculum nas agencias de emprego.
Atordoado, Carlos vencido pelo stress acaba por adormecer no sofá, os primeiros raios da madrugada reverberam pelos prédios, ruas, avenidas, casas, alaranjando a anárquica arquitetura urbana. Acorda com a luz solar no rosto. Novo dia, la fora os desafios do cotidiano espalham-se para cada habitante da cidade.
Laura percebe o distanciamento de Carlos, passaram-se duas semanas e ele não ligou mais, o remédio deve ter resolvido, estava em ótimo andamento seu plano de conquista, a tão desejada independência financeira. Detestava lidar com certos tipos, mas a necessidade forçava a solução de problemas, liga para Pedro, e este, confirma que Carlos havia caído direitinho na sua trama, deixaram Carlos nu depois do assalto, sem arma, sem lenço nem documento. Um leve sorriso forma-se em seu rosto, o “laranja” não preocuparia mais pensou, garante a Pedro o restante do dinheiro combinado, tinha que livrar-se daquele chiclete !
Pedro rapaz boa pinta, caiu na marginalidade, jovem de classe média, sempre teve tudo o que quis, começou como aventura com pequenos furtos no shopping, roupas de grife, formou um bando para sequestros relâmpagos, clonavam cartões, entrou no trafego de drogas, peixe pequeno, numa boate conheceu Laura, satisfaziam-se ocasionalmente. Ela passava a Pedro dicas dos bons clientes depois participava da divisão do dinheiro. Laura vivia construindo teias para os homens que a assediavam, e os usava conforme seus interesses e ambição.
Carlos durante semanas perambula pelas agencias de empregos, condomínio atrasado, telefone vencendo, finalmente é convocado a apresentar-se a uma empresa com inicio imediato. A velha historia de sempre, salario apertado, cortar despesas, emprego longe, acordar cedinho, esperanças que morrem e revivem depois.
Inicia na empresa no almoxarifado, empresa de eventos publicitários em plena expansão no mercado, começar do zero era a alternativa de Carlos, mas não esqueceu de Laura, dia a mais, dia a menos ele lhe daria o troco.
Amadeo Valadares, o mais novo enebriado por Laura, homem de meia-idade com cargo executivo e testa-de-ferro do banco de Londres, divorciado, bem solucionado na vida, poderia até parar de trabalhar como empregado, mas tinha ambição pois sabia que poderia chegar mais longe ! Funcionário de carreira no banco de Londres, banco que só movimentada altas contas e transferências gordas para o exterior.
Frequentava a casa, festas de grandes empresários, confidente de mulheres insatisfeitas, políticos, advogados, jornalistas, lideres religiosos, influenciava sem aparecer em contratos comerciais, acordos políticos, obtinha informações antecipadas de licitações do governo, lhe custando pagamento de propinas, mas valia a pena pelo retorno, mantinha atualizada agenda de clientes especiais. Conhecia bem as fraquezas humanas, suas taras, os segredos da alma humana e com maestria manipulava as situações a seu favor. Tinha tramite em toda a alta burguesia paulistana, embora não fosse homem refinado de alta cultura, representava facilidades para quem quisesse transformar dinheiro sujo em dinheiro limpo, enfim era ótimo te-lo como aliado, bastante conveniente em momentos de dificuldades, personagem temido, ardiloso, severo com os caloteiros pois, tinha seus contatos discretos na criminalidade, verdadeira eminencia parda conhecia o mapa dos desvios e atalhos do sub-mundo.
Estava cego de paixão por Laura, numa das feiras do automóvel no Anhembi a conheceu, modelo radiante atraindo clientes para si e venda de carros, mordeu a isca, podia ter um catalogo de mulheres, mas estava louco de desejo por Laura, sabia de sua fama de peçonhenta, mas assim mesmo a desejava, parecia um feitiço, agora estavam juntos numa grande e definitiva jogada, não poderia dar errado estaria alcançando a riqueza e poder que sempre desejou na vida.
Junto com Laura, Amadeo criou uma ONG de fachada, “Esperança Verde”, captaram somas de dinheiro do trafego de drogas, contrabando de pedras preciosas, cigarro paraguaio, armas, jogam o dinheiro em campanhas eleitorais, projetos ecológicos como utilização da energia do mar, reciclagem de lixo industrial, utilização racional da agua, pesquisas com plantas medicinais e cosméticos, preservação dos mangues, do peixe-boi, tudo bem acobertado pelos bons contatos na receita e policia federal, a ONG impressionava até populares, repercutindo em Brasília, conseguindo prestigio, demonstrando sua preocupação com o futuro, só que nenhum projeto saia do papel, tudo virtual. Amadeo sorrateiramente era homem forte no trafego há muitos anos, sua fantasia de executivo ocultava e escancarava portas, tudo ficou mais fácil com a onda das ONGS. O empresário, cabeça da “Esperança verde” era um homem discreto que ninguém conhecia, não aparecia em publico, verdadeiro filantropo. Era o Carlos, laranja, ex-de Laura, usaram seus documentos, para abrir a ONG, e uma conta corrente conjunta com Laura no Caribe, para onde remetiam grandes somas de dinheiro. Estavam preparando um golpe final, pois seu contato federal o alerta sobre a dificuldade de manter oculto a lavagem do dinheiro, então começou a apressar a transferência para a conta conjunta de Carlos o dinheiro dos clientes especiais mais o montante dos outros investimentos feito isso sairiam do país rapidamente antes da bomba estourar, e assim Laura e Amadeo sairiam em turnê pelo mundo e bye bye Brasil....
Carlos aos poucos refazia-se do baque, levava uma vida comum a todo assalariado, não queria complicação com mulher, queria viver em paz refazer sua vida. Quase estava esquecida sua vingança quando, passado meses do convívio atordoante com Laura, fica estupefato com a manchete dos jornais: ONG Esperança Verde e Carlos Oliveira na mira dos federais !
Assustado com a coincidência do nome, compra o jornal para ler a matéria, a policia federal estava na busca do cabeça da falsa ONG que fazia trafego de drogas, lavagem de dinheiro, e um monte de merda, caramba ! Seus documentos e a papelada das falcatruas da falsa ONG já estavam na mão dos federais, era questão de dias para prender o cabeça.
Laura aquela filha da puta ! Pediu uma vez meus documentos para abrir um crediário, mentirosa, foi para me enterrar vivo ! No caminho para o trabalho decidiu que tinha que resolver em definitivo essa armação ! Foi atras de Laura, não a encontrou na agencia que trabalhava, tinha saído do banco. Foi até sua residencia, a casa estava fechada. Pula o muro, a vizinhança não percebe a invasão, força a porta dos fundos e entra, começa a vasculhar tudo até encontrar uma agenda com endereços e telefones, sai ao encontro de Laura. Liga para algumas pessoas como se fosse um parente distante que estava chegando em São Paulo e precisava encontra-la, surpreso descobre que ela estava a algumas semanas morando num aparte hotel na Bela Vista próximo a avenida Paulista com um executivo de banco estrangeiro.
Carlos precisava encontrar Laura antes que o pegassem, vai até o aparte-hotel fica nas proximidades observando o movimento, depois de meia-hora, ela aparece, desce de um taxi, ele avança para cima dela e agarra seu braço com força. Preciso de uma satisfação ! Por que você me prejudica ? Estou para ser preso ! Megera !
Atônita e surpresa com o repentino encontro Laura pede calma a Carlos convida-o para subir no apartamento para conversarem evitando os olhares públicos.
Nervoso e tremulo Carlos entra no prédio segurando o braço de Laura, eu devia torcer o seu pescoço ! Ela sentia forte atração por Carlos, mas ele tinha grave defeito, não tinha grana, mas suas qualidades de amante a excitavam. Carlos observa os detalhes de luxo do apartamento, e percebe aquele brilho de desejo nos olhos de Laura, resolve avançar sobre seu corpo, ela cede, beija sua boca, desabotoando sua blusa. Despidos, ela o conduz para o quarto, para o conforto dos lençóis macios....
Carlos poderia ser preso a qualquer momento, com certeza a policia já tinha baixado no seu emprego, não poderia voltar. Laura muda os planos, afinal poderia te-lo como amante também, Amadeo não tinha preconceitos e poderia aceitar bem ter os dois como amantes, manda Carlos ficar no apartamento esperariam por Amadeo, e o levariam para o Caribe.
Ao anoitecer Amadeo chega no apartamento, sua reação é tranquila ao deparar-se com o Carlos, o laranja, Laura usa sua conversa sedutora, maliciosa, para convencer Amadeo, afinal usando Carlos eles conseguiram dar o golpe certeiro que os deixariam em questão de dias ricos. Carlos tinha qualidades como amante e ela sempre desejou ter dois homens e Amadeo não era um conservador na cama, sensibilizou-se com a situação de Carlos e ele era atraente, simpático... adorava improviso.
Mais uma vez Laura consegue seu intento, era preciso providenciar passagem, documentos falsos e uma boa maquiagem para disfarçar Carlos e sair do país. Em questão de dias tudo foi providenciado e então os três amantes, ricos e vistosos, chegam em Cumbica com suas bagagens, embarcam num boeing rumo ao Caribe, de praias paradisíacas, enquanto as manchetes dos jornais denunciavam com alarde mais um grande golpe financeiro na cidade.



30/06/2011


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