AVANTE
PAISANO
Às
vezes ela nos chamava no quarto e tirava do baú das lembranças
histórias que viveu. Curioso, desligava a televisão e ia sentar na
poltrona ao seu lado para ouvir histórias da gripe espanhola que
matou gente como mosca, da revolução de 1924 com Isidoro Lopes e
seu bombardeiro terrificante, jogando bombas no morro dos ingleses,
nos bairros operários, a revolução de 1932 e Getúlio Vargas o pai
dos pobres. A estrela de rabo que provocou verdadeiro pavor na
população, a passagem do Zepelim no céu paulistano agitando a
criançada, como meu tio Otávio escapou de ir para a segunda
guerra mundial, lhe custando uns dias preso no quartel
preservando-lhe a vida. Eram dias difíceis pois os alimentos iam
para os pracinhas, tudo era racionado para a população. A festa da
vitória e retorno dos pracinhas na avenida São João, ou quando
menina, viajando de navio para o Brasil acompanhava por horas as
baleias seguindo a embarcação.
Minha
avó saiu da pequena Noepoli na Itália, criança com sua mãe e
irmão e deveriam encontrar seu pai que saiu da Itália para a
América, entretanto ele não avisou a ninguém qual das Américas
ele pretendia chegar. A história da minha mãe, e de meus tios
começa ai com o desencontro das vidas que fugindo da fome e a
incerteza na Itália enfrentam o desconhecido na América do sul,
aqui no Brasil. Deixaram para trás pequena propriedade, suas
raízes, e deparam-se com o atlântico a sua frente, desembarcaram no
porto do Rio de Janeiro, com uma mão na frente outra atrás, como
ela dizia. Viveram muitos anos na Argentina, depois que minha bisavó
conheceu outro patrício, voltaram para o Brasil para Minas Gerais
depois fixaram-se em São Paulo. Eu e meus tios tínhamos grande
chance de sermos “hermanos”, ou mineiros, o trem bom !
Eram
tempos de amarrar “cachorro com linguiça”, as pessoas morriam de
“nó
nas
tripas”, o inicio de suas vidas na América foi de muito
sacrifício. Meu bisavô foi para a América do norte, e nunca mais
voltou a ver a família. Desconhecemos como minha bisavó ficou
sabendo mas a partir dessa revelação, meu bisavô Vicenzo, passou
a ser um “mafioso”, um excomungado !
Minha
avó, tinha temperamento enérgico, sempre disposta, fervorosa em
sua fé católica, com seus santos, seus benzimentos, falante,
características de sua personalidade, sua nacionalidade. Ela dizia
que quando era moça, queria ser freira, mas ai apareceu “seu
Rafael” e minha bisavó acertou o matrimonio, enquanto seu irmão
desiludido com o amor, vai para os Estados Unidos atrás do pai, e
lá viveu formando sua família, depois de cinquenta anos de longa
distancia aconteceu o re-encontro dos irmãos, lembro que foi um
grande acontecimento, minha avó Lúcia era só felicidade, os
caminhos da vida reunindo os irmãos já velhinhos. Para um grande
acontecimento um farto almoço:”mangia mangia che ti fa bene”!
Todos
reunidos, filhos e netos e boas risadas, piadas, conversa com as
mãos, falando alto, parecia até discussão, mas era apenas o calor
da conversa, e o brilho do olhar de dona Lúcia a abarcar sua
família.
Meu
avô, Rafael, na verdade Rafaele, não conheci, morreu no inicio dos
anos cinquenta. Chegou criança da Itália, com sua família de
campesinos para plantar café em Rocinha, na fazenda São Bento. O
pequeno Rafael cresceu, veio para a capital tornou-se motorneiro de
bonde, funcionário da Ligth & Power.
O
motorneiro de bonde ficava exposto ao tempo, essa condição
insalubre prejudicou sua saúde, ele fazia a linha Santo Amaro depois
Avenidas. Minha avó tornou-se costureira dos uniformes da CMTC e
assim mantinham o sustento dos filhos. Viveram boa parte da vida no
Bexiga e em Pinheiros. Tempos que se podia pescar, nadar no rio
pinheiros, além de jogar futebol nos campos feitos na várzea, e alí
nasceu o craque da família, meu tio Caetano, jogou nos times do
bairro, depois profissionalmente no Corinthians, Guarani, Ponte
Preta, campeão gaúcho pelo Grêmio na década de 1940 , jogou no
Madureira no Rio de Janeiro e se não fosse grave doença que o
afastou dos campos ele poderia até chegar a copa de 1950.
Minha
avó dizia que depois da segunda guerra mundial nunca mais recebeu
noticias da Itália, de algum parente. Morreu pensando que não tinha
mais ninguém, na península itálica, hoje diante do teclado do
computador gostaria de escrever para
ela,
que encontrei a continuidade da família em Noepoli e em Benevento
terra do nono Rafael. Surpreso com o que pesquisei na internet, a
família de meu avô multiplicou-se por toda a Itália e pelo mundo a
fora. As crianças que vieram do velho continente, plantaram sua
semente em solo brasileiro não foi perdido o elo das famílias
Michele e Allegretti que continuam sua história na velha bota...
Gostaria
de poder encontrar minha avó Lúcia e contar a ela que o seu temor,
não vingou pelo contrário, a multiplicação espalha-se por esse
mundo tão pequeno...
02/03/2011
Nenhum comentário:
Postar um comentário