quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

AVANTE PAISANO

Às vezes ela nos chamava no quarto e tirava do baú das lembranças histórias que viveu. Curioso, desligava a televisão e ia sentar na poltrona ao seu lado para ouvir histórias da gripe espanhola que matou gente como mosca, da revolução de 1924 com Isidoro Lopes e seu bombardeiro terrificante, jogando bombas no morro dos ingleses, nos bairros operários, a revolução de 1932 e Getúlio Vargas o pai dos pobres. A estrela de rabo que provocou verdadeiro pavor na população, a passagem do Zepelim no céu paulistano agitando a criançada, como meu tio Otávio escapou de ir para a segunda guerra mundial, lhe custando uns dias preso no quartel preservando-lhe a vida. Eram dias difíceis pois os alimentos iam para os pracinhas, tudo era racionado para a população. A festa da vitória e retorno dos pracinhas na avenida São João, ou quando menina, viajando de navio para o Brasil acompanhava por horas as baleias seguindo a embarcação.
Minha avó saiu da pequena Noepoli na Itália, criança com sua mãe e irmão e deveriam encontrar seu pai que saiu da Itália para a América, entretanto ele não avisou a ninguém qual das Américas ele pretendia chegar. A história da minha mãe, e de meus tios começa ai com o desencontro das vidas que fugindo da fome e a incerteza na Itália enfrentam o desconhecido na América do sul, aqui no Brasil. Deixaram para trás pequena propriedade, suas raízes, e deparam-se com o atlântico a sua frente, desembarcaram no porto do Rio de Janeiro, com uma mão na frente outra atrás, como ela dizia. Viveram muitos anos na Argentina, depois que minha bisavó conheceu outro patrício, voltaram para o Brasil para Minas Gerais depois fixaram-se em São Paulo. Eu e meus tios tínhamos grande chance de sermos “hermanos”, ou mineiros, o trem bom !
Eram tempos de amarrar “cachorro com linguiça”, as pessoas morriam de “nó
nas tripas”, o inicio de suas vidas na América foi de muito sacrifício. Meu bisavô foi para a América do norte, e nunca mais voltou a ver a família. Desconhecemos como minha bisavó ficou sabendo mas a partir dessa revelação, meu bisavô Vicenzo, passou a ser um “mafioso”, um excomungado !
Minha avó, tinha temperamento enérgico, sempre disposta, fervorosa em sua fé católica, com seus santos, seus benzimentos, falante, características de sua personalidade, sua nacionalidade. Ela dizia que quando era moça, queria ser freira, mas ai apareceu “seu Rafael” e minha bisavó acertou o matrimonio, enquanto seu irmão desiludido com o amor, vai para os Estados Unidos atrás do pai, e lá viveu formando sua família, depois de cinquenta anos de longa distancia aconteceu o re-encontro dos irmãos, lembro que foi um grande acontecimento, minha avó Lúcia era só felicidade, os caminhos da vida reunindo os irmãos já velhinhos. Para um grande acontecimento um farto almoço:”mangia mangia che ti fa bene”!
Todos reunidos, filhos e netos e boas risadas, piadas, conversa com as mãos, falando alto, parecia até discussão, mas era apenas o calor da conversa, e o brilho do olhar de dona Lúcia a abarcar sua família.
Meu avô, Rafael, na verdade Rafaele, não conheci, morreu no inicio dos anos cinquenta. Chegou criança da Itália, com sua família de campesinos para plantar café em Rocinha, na fazenda São Bento. O pequeno Rafael cresceu, veio para a capital tornou-se motorneiro de bonde, funcionário da Ligth & Power.
O motorneiro de bonde ficava exposto ao tempo, essa condição insalubre prejudicou sua saúde, ele fazia a linha Santo Amaro depois Avenidas. Minha avó tornou-se costureira dos uniformes da CMTC e assim mantinham o sustento dos filhos. Viveram boa parte da vida no Bexiga e em Pinheiros. Tempos que se podia pescar, nadar no rio pinheiros, além de jogar futebol nos campos feitos na várzea, e alí nasceu o craque da família, meu tio Caetano, jogou nos times do bairro, depois profissionalmente no Corinthians, Guarani, Ponte Preta, campeão gaúcho pelo Grêmio na década de 1940 , jogou no Madureira no Rio de Janeiro e se não fosse grave doença que o afastou dos campos ele poderia até chegar a copa de 1950.
Minha avó dizia que depois da segunda guerra mundial nunca mais recebeu noticias da Itália, de algum parente. Morreu pensando que não tinha mais ninguém, na península itálica, hoje diante do teclado do computador gostaria de escrever para
ela, que encontrei a continuidade da família em Noepoli e em Benevento terra do nono Rafael. Surpreso com o que pesquisei na internet, a família de meu avô multiplicou-se por toda a Itália e pelo mundo a fora. As crianças que vieram do velho continente, plantaram sua semente em solo brasileiro não foi perdido o elo das famílias Michele e Allegretti que continuam sua história na velha bota...
Gostaria de poder encontrar minha avó Lúcia e contar a ela que o seu temor, não vingou pelo contrário, a multiplicação espalha-se por esse mundo tão pequeno...



02/03/2011

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