sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

DESCONECTADO EM SP



Enquanto a tarde crepitava debaixo do sol, os olhos despiam ruas, avenidas, vitrines, bares lotados, edifícios, corpos suados, carros velozes cruzavam os labirintos da cidade, vibrando no ar cores, sons, odores, sensualidade e calor.
O suor escorria no rosto, camisa entreaberta, barba por fazer, caminhava pela calçada admirando a luminosidade tentando decifrar os sentimentos das faces anonimas que passavam ao redor. Os olhos percorriam o cenário urbano colecionando as expressões faciais dos pedestres.
Naquela tarde ele queria apenas perambular pelas ruas do centro velho, andar pela rua Direita, Galeria Olido, Praça do Patriarca, XV de novembro, Boa Vista, Ladeira Porto Geral, Largo de São Bento, Viaduto do Chá, Líbero Badaró, passar pela avenida Ipiranga, praça da República, talvez tomar um chopis no bar Guanabara, comer um bauru no Ponto Chic, yakisoba na Liberdade ou baião de dois no Bexiga, sem itinerário certo deixando o tempo passar, olhar, paquerar a
morena, a loirinha, a japonesa, a mulata... até cansar-se e retornar, voltar para casa. Ao contrário da maioria admira os prédios antigos sua predileção é ficar olhando como um fotografo detalhes que passam desapercebidos, curvas , semi-retas, ângulos, estilos, o efeito da luz ... imaginando como deveria ter sido a vida na São Paulo antiga, assistir filmes de época em preto e branco sua predileção.
Luzes acesas, a tarde vai chegando ao fim, faróis inclementes, um sentimento oco dentro do peito, vento frio varre as ruas, as lembranças carcomidas. Continua com seu andar distraído sem pensamentos pré-concebidos, identificando sensações, que o confortam ou negligenciam. O sol alaranjado rapidamente vai escorregando na linha do horizonte, desaparecendo entre os prédios, carros, na solidão dos pensamentos. Anda sem pressa, levanta a gola da camisa abotoa o bleizer, protegendo-se da brisa fria. Distraído, não preocupa-se em procurar os ponteiros de um relógio, escuta os próprios passos, a respiração, atravessa as ruas imaginando a sequencia dos minutos no cotidiano das pessoas ao seu redor.
Os faróis ferem os olhos, desnudando ansiedade, angustia, solidão dos transeuntes. Um mar de carros, ônibus, vão congestionando as principais vias da cidade, buzinas, sirenes. Uma mistura de sentimentos embaralham-se acomodando sentimentos difusos, nostalgia sem explicação, imagem sobrepondo imagem, refletindo no brilho dos seus olhos, enquanto a noite encobre de vez com seu manto os edifícios, então muda de direção e vai para a estação Anhangabaú do metrô. Quando o vagão chega, abre as portas, as pessoas na plataforma entram e logo começa a andar. Ao sentar-se no banco do vagão dá conta que passou o dia inteiro desconhecendo as manchetes dos jornais, não preocupou-se com telefones deixando-se levar pelo acaso, o que lhe proporcionou alivio e um breve sorriso de desdem desejando que não houvesse a próxima estação para descer, não houvesse ponteiros para aprisionar o tempo, agendas, documentos para guardar, rotular comportamentos, objetos, pessoas, sentimentos, classe social...pegou a caneta escreveu o simbolo do infinito na mão e soltou gostosa gargalhada, ninguém no vagão entendeu nada...

30/03/2012


Nenhum comentário:

Postar um comentário