DEU NO JORNAL...
Agnes
saiu de casa aquela terça-feira mais cedo, vestia uma blusa verde,
saia curta de jeans, nem tomou café direito, apressada como todo o
santo dia. Foi para o ponto de ônibus mas não esperou as colegas
pegou outra condução foi para a Estação da Luz. Nervosa e
decidida ela ficou esperando o ônibus , nem quis parar na banca
para ler as manchetes das revistas de novela como sempre fazia,
Agnes era franzina mas quando estava irritada, parecia uma onça
raivosa, depois que recebeu um telefonema anônimo na segunda-feira
ficou furiosa, mas não quis falar com ninguém, ligaram varias
vezes, para seu telefone, infernizando sua cabeça com calúnias, a
voz sínica insinuava sobre a masculinidade de seu namorado,
pretendiam noivar, a voz dizia que Robertinho mentia para ela, ele
era um travesti de teatro de stripper no centro da cidade,
queria
ver para crer, chegando na Luz resolveu ir a pé até a Rio Branco.
Seus pensamentos estavam em ebulição, não queria acreditar naquela
denúncia, mas precisava saber a verdade. Amava o Robertinho, estavam
namorando há quase um ano, ele retribuía com carinho e paixão ao
seu sentimento. Robertinho trabalhava a noite, era digitador de um
banco, conheceram-se numa festa de uma amiga em comum. Uma mistura de
amor e ódio começaram a consumir seu pensamento. Agnes ligou para
a empresa disse que não ia trabalhar estava com muitas cólicas,
inventou essa história, e foi atrás daquela denúncia, precisava
chegar na saída dos stripers do teatro na boca do lixo, ela queria
acreditar que fosse apenas inveja, calúnia de alguma safada. Andava
rápido, chegou na avenida Rio Branco, entrou numa das travessas e
viu o teatro de strip-tease, “Rainhas da lambada”, lugar
decadente, sujo, ficou atrás de um poste, escondeu-se, para vigiar
a saída de Robertinho ou Vanessa, seu nome de guerra, segundo a
denunciante.
Aquela
voz maldita, fazendo ironia, disse que Robertinho não trabalhava em
banco coisa nenhuma ele fazia show de estrip, que ele era travesti,
Agnes chorou de raiva o resto da noite, mas de hoje não ia passar,
ia conferir tudo. A dor maior era a mentira, não tinha preconceitos,
cada pessoa tem o direito de fazer com sua vida o que quiser, mas
aquela mentira era insuportável!
Uma
porta lateral faz barulho, algumas pessoas começam a sair, fica
atenta observando a saída barulhenta daquelas pessoas, não queria
acreditar nessa situação, agora que estava grávida e ia contar a
Robertinho. Sentiu-se culpada da situação, nunca especulou detalhes
da vida dele, nem mesmo quando ele depilava o peito, pernas, axilas,
dizendo que o homem atual tinha que criar um novo estilo. A idiota
achou até chique ter um homem tão vaidoso. Estava sem saber o que
fazer !
De
repente vê Roberto saindo entre seus “colegas”, falante, rindo,
o sangue ferveu e partiu para cima dele de tapas, unhadas, e
palavrões, foi um grande alvoroço, os outros travestis sem saber, a
agridem, ela despenca em lágrimas, Roberto atônito, surpreso,
segura seus braços e pede para conversar. Ele anuncia a todos aos
gritos que ela era sua namorada, quase esposa. Roberto muito nervoso,
tremia, pedindo calma a Agnes, pois eles iriam resolver tudo. Aos
poucos a confusão foi desfeita, o grupo falante afastou-se de
Robertinho e Agnes, fazendo comentários jocosos.
Roberto
ou Vanessa descobriu seu lado feminino na adolescência, quando
começou a sentir atração por rapazes, mas manteve isso recalcado
em sua alma, pensava que era pecado, a repercussão de escândalo na
família, seu pai não podia saber nunca, o velho faleceu e nunca
soube do sentimento do filho. Quando saiu de casa conseguiu realizar seu desejo maior o de apresentar-se cheia
de glamour num palco dançando e cantando I will survive, muita
maquiagem, purpurina, lantejoulas loucamente sensual, para uma
plateia masculina. Sua vida dupla era guardada a sete chaves,
conseguira realizar seu sonho. Mas a atração por mulheres nunca
desapareceu e isso as vezes o atormentava e foi levando a vida assim
e não queria modificar. Era feliz como Roberto e Vanessa nas noites
paulistanas, com luzes, perfumes, champanhes, amores, brigas,
musicas e orgias. Seu maior sonho era ser uma personagem do filme:
“Priscila a rainha do deserto” assistiu a esse filme dúzia de
vezes.
Entrou
com Agnes numa lanchonete e pediu dois cafés, sentaram-se e então
ele pediu desculpas a ela por não ter revelado nada antes, ele
realmente era um travesti, mas a amava muito e não sabia resolver
essa dupla atração que sentia, chorou junto com Agnes pedindo
perdão. Agnes foi ficando mais serena, refletiu sobre a inédita
situação de amar um homem que sentia-se mulher e desejava ser uma.
Ela
sem rodeios disse a ele que estava com um filho dele na barriga e
como eles iriam resolver o conflitante momento. Roberto ficou sem
ação, ouviu a novidade e não conseguia dizer uma palavra, uma
mistura de sentimentos apertavam o seu peito, jamais pensou viver um
momento tão singular. Ser pai era comovente, era angustiante, sua
vida de travesti estava abalada, não tinha uma resposta a dar a
Agnes.
Emudecidos
ficaram trocando olhares, uma dor profunda apunhalava o peito de
Agnes, nunca sentiu-se tão sozinha, sua mente estava mergulhando num
vácuo profundo. Roberto perguntou como ela ficou sabendo de sua
outra identidade, ela respondeu que foram telefonemas anônimos, não
quis acreditar, mas a verdade foi revelada de forma abrutalhada.
Roberto pediu que ficasse entre eles dois sua identidade.
Agnes
sentia-se traída e amarga. Sua vida era uma sucessão de
dificuldades desde a infância, era apenas uma recepcionista, vivia
com grandes dificuldades, sua única tia morava no interior de Minas,
era sozinha, nem pai nem mãe. Estava só no mundo. As horas iam
passando e não houve nenhum acordo entre os dois. Estilhaços
afiados pareciam boiar no ar, atingindo Agnes profundamente ferida
em seu amor.
Emudecida,
perplexa, não disse uma palavra, levantou, e saiu deixando
Robertinho murmurando palavras sem nexo, depois começou a chorar no
balcão da lanchonete.
A
cidade na sua rotina alucinante, contabilizou naquela terça-feira
mais uma morte, ou melhor um suicídio, uma mulher jovem de blusa
verde e saia jeans de cima do Viaduto do Chá lançou-se ao ar, seu
corpo politraumatizado ficou estirado no calçamento empoçado de
sangue, horas e horas, alguém num ato de piedade colocou folhas de
jornal sobre o corpo inerte, acendeu uma vela, até que o rabecão do
IML apareceu para recolher o corpo.
26/01/2011
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