domingo, 9 de fevereiro de 2014

 DEU NO JORNAL...


Agnes saiu de casa aquela terça-feira mais cedo, vestia uma blusa verde, saia curta de jeans, nem tomou café direito, apressada como todo o santo dia. Foi para o ponto de ônibus mas não esperou as colegas pegou outra condução foi para a Estação da Luz. Nervosa e decidida ela ficou esperando o ônibus , nem quis parar na banca para ler as manchetes das revistas de novela como sempre fazia, Agnes era franzina mas quando estava irritada, parecia uma onça raivosa, depois que recebeu um telefonema anônimo na segunda-feira ficou furiosa, mas não quis falar com ninguém, ligaram varias vezes, para seu telefone, infernizando sua cabeça com calúnias, a voz sínica insinuava sobre a masculinidade de seu namorado, pretendiam noivar, a voz dizia que Robertinho mentia para ela, ele era um travesti de teatro de stripper no centro da cidade,
queria ver para crer, chegando na Luz resolveu ir a pé até a Rio Branco. Seus pensamentos estavam em ebulição, não queria acreditar naquela denúncia, mas precisava saber a verdade. Amava o Robertinho, estavam namorando há quase um ano, ele retribuía com carinho e paixão ao seu sentimento. Robertinho trabalhava a noite, era digitador de um banco, conheceram-se numa festa de uma amiga em comum. Uma mistura de amor e ódio começaram a consumir seu pensamento. Agnes ligou para a empresa disse que não ia trabalhar estava com muitas cólicas, inventou essa história, e foi atrás daquela denúncia, precisava chegar na saída dos stripers do teatro na boca do lixo, ela queria acreditar que fosse apenas inveja, calúnia de alguma safada. Andava rápido, chegou na avenida Rio Branco, entrou numa das travessas e viu o teatro de strip-tease, “Rainhas da lambada”, lugar decadente, sujo, ficou atrás de um poste, escondeu-se, para vigiar a saída de Robertinho ou Vanessa, seu nome de guerra, segundo a denunciante.
Aquela voz maldita, fazendo ironia, disse que Robertinho não trabalhava em banco coisa nenhuma ele fazia show de estrip, que ele era travesti, Agnes chorou de raiva o resto da noite, mas de hoje não ia passar, ia conferir tudo. A dor maior era a mentira, não tinha preconceitos, cada pessoa tem o direito de fazer com sua vida o que quiser, mas aquela mentira era insuportável!
Uma porta lateral faz barulho, algumas pessoas começam a sair, fica atenta observando a saída barulhenta daquelas pessoas, não queria acreditar nessa situação, agora que estava grávida e ia contar a Robertinho. Sentiu-se culpada da situação, nunca especulou detalhes da vida dele, nem mesmo quando ele depilava o peito, pernas, axilas, dizendo que o homem atual tinha que criar um novo estilo. A idiota achou até chique ter um homem tão vaidoso. Estava sem saber o que fazer !
De repente vê Roberto saindo entre seus “colegas”, falante, rindo, o sangue ferveu e partiu para cima dele de tapas, unhadas, e palavrões, foi um grande alvoroço, os outros travestis sem saber, a agridem, ela despenca em lágrimas, Roberto atônito, surpreso, segura seus braços e pede para conversar. Ele anuncia a todos aos gritos que ela era sua namorada, quase esposa. Roberto muito nervoso, tremia, pedindo calma a Agnes, pois eles iriam resolver tudo. Aos poucos a confusão foi desfeita, o grupo falante afastou-se de Robertinho e Agnes, fazendo comentários jocosos.
Roberto ou Vanessa descobriu seu lado feminino na adolescência, quando começou a sentir atração por rapazes, mas manteve isso recalcado em sua alma, pensava que era pecado, a repercussão de escândalo na família, seu pai não podia saber nunca, o velho faleceu e nunca soube do sentimento do filho. Quando saiu de casa  conseguiu realizar seu desejo maior o de apresentar-se cheia de glamour num palco dançando e cantando I will survive, muita maquiagem, purpurina, lantejoulas loucamente sensual, para uma plateia masculina. Sua vida dupla era guardada a sete chaves, conseguira realizar seu sonho. Mas a atração por mulheres nunca desapareceu e isso as vezes o atormentava e foi levando a vida assim e não queria modificar. Era feliz como Roberto e Vanessa nas noites paulistanas, com luzes, perfumes, champanhes, amores, brigas, musicas e orgias. Seu maior sonho era ser uma personagem do filme: “Priscila a rainha do deserto” assistiu a esse filme dúzia de vezes.
Entrou com Agnes numa lanchonete e pediu dois cafés, sentaram-se e então ele pediu desculpas a ela por não ter revelado nada antes, ele realmente era um travesti, mas a amava muito e não sabia resolver essa dupla atração que sentia, chorou junto com Agnes pedindo perdão. Agnes foi ficando mais serena, refletiu sobre a inédita situação de amar um homem que sentia-se mulher e desejava ser uma.
Ela sem rodeios disse a ele que estava com um filho dele na barriga e como eles iriam resolver o conflitante momento. Roberto ficou sem ação, ouviu a novidade e não conseguia dizer uma palavra, uma mistura de sentimentos apertavam o seu peito, jamais pensou viver um momento tão singular. Ser pai era comovente, era angustiante, sua vida de travesti estava abalada, não tinha uma resposta a dar a Agnes.
Emudecidos ficaram trocando olhares, uma dor profunda apunhalava o peito de Agnes, nunca sentiu-se tão sozinha, sua mente estava mergulhando num vácuo profundo. Roberto perguntou como ela ficou sabendo de sua outra identidade, ela respondeu que foram telefonemas anônimos, não quis acreditar, mas a verdade foi revelada de forma abrutalhada. Roberto pediu que ficasse entre eles dois sua identidade.
Agnes sentia-se traída e amarga. Sua vida era uma sucessão de dificuldades desde a infância, era apenas uma recepcionista, vivia com grandes dificuldades, sua única tia morava no interior de Minas, era sozinha, nem pai nem mãe. Estava só no mundo. As horas iam passando e não houve nenhum acordo entre os dois. Estilhaços afiados pareciam boiar no ar, atingindo Agnes profundamente ferida em seu amor.
Emudecida, perplexa, não disse uma palavra, levantou, e saiu deixando Robertinho murmurando palavras sem nexo, depois começou a chorar no balcão da lanchonete.
A cidade na sua rotina alucinante, contabilizou naquela terça-feira mais uma morte, ou melhor um suicídio, uma mulher jovem de blusa verde e saia jeans de cima do Viaduto do Chá lançou-se ao ar, seu corpo politraumatizado ficou estirado no calçamento empoçado de sangue, horas e horas, alguém num ato de piedade colocou folhas de jornal sobre o corpo inerte, acendeu uma vela, até que o rabecão do IML apareceu para recolher o corpo.




26/01/2011

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