AMAR
A
tarde seca abarcava de azul os olhos, a claridade e esplendor solar
reverberavam de maneira pungente nos telhados e vidraças. Emoção
escancarada espalha-se no ar, a cidade tremeluz diante do olhar,
movimento incansável de veículos, reflexos, marcha de pedestres
atravessando avenidas, faróis, olhares apreensivos cruzando-se, o
pulsar incessante de sensações e sons circulam na geografia
urbana.
Na
Júlio Prestes a multidão espera silenciosa e exausta o trem abrir
as portas, logo os vagões lotam e o trem sai lentamente em direção
ao subúrbio, Ezequiel cansado agarra-se próximo a porta enquanto o
vagão vai lotando de estação a estação. Corpos cansados, suados,
predominando no ar amarrotado silencio. O desejo de num piscar de
olhos estar em casa envolve o pensamento de Ezequiel, naquele
instante o seu maior anseio. O imponderável nesse exato momento
acontece, o trem para sem energia elétrica. Apagão, e as vaias e
assobios, enchem os ouvidos.
Aborrecimento,
cansaço, o trem parado faz quarenta minutos, ter que pegar mais uma
condução depois é de deixar qualquer um estressado. Ezequiel
acaba
por
cochilar, de repente o trem recomeça sua marcha. Afinal ! uma
brisa refrescante no rosto depois do apagão abafado é um conforto
para todos, as janelas abertas vão desnudando a paisagem desgastada
e mal iluminada do subúrbio.
Movimento
férreo e exaustão, chegar tarde em casa, Ezequiel nem mais fica
indignado, uma vez participou com a turba de um quebra-quebra de
vagões pancadaria, pedradas, bomba de gás lacrimogêneo, por sorte
escapou de ser preso. Perdeu o emprego por atraso na ocasião, não
aceitaram justificativas, demissão sumária.
Finalmente
chega em Osasco ! Sai do vagão praticamente expelido pela turba
ansiosa. Finalmente é sexta-feira ! Ezequiel poderá dormir até as
tantas horas do sábado. No largo de Osasco resolve ir até a Esquina
do peixe, seu ânimo renova-se, sobe a Antônio Agú aliviado,
depois do arrocho no trem. Chega e vai pedindo uma porção e uma
cerveja bem gelada. Movimento intenso de carros e ônibus pela
avenida dos Autonomistas, enquanto seus olhos não perdem de vista
as garotas que passam de minissaia e blusa colada ao corpo.
Bebe
com sede a cerveja provando a iguaria marítima crocante e
saborosa. Sem mais nem menos uma morena sentada a sua esquerda começa
a dar sinais, Ezequiel levanta e vai até sua mesa, puxa conversa,
logo começam a se entender. Atraente, mulher madura, extrovertida,
Míriam, quer companhia, curtir a noite, afogar suas carências e
sentir o abraço forte de um homem, depois de uma semana de muito
trabalho.
Ezequiel esquece o cansaço fica empolgado com o repentino encontro.
Míriam conversa animadamente, olhar cativante, cabelos compridos
negros, lábios finos, corpo atraente e perfume delicado. Ezequiel
parece não acreditar no acaso, a sorte de estar com aquela mulher
envolvente, ao fundo ouvia-se Benito de Paula emoldurando cenário
perfeito, para uma noite de amor.
As
horas passam os olhares tornam-se mais brilhantes, o efeito etílico
os envolve aguçando o desejo então levantam-se e juntos vão para a
casa de Míriam descendo a rua Antônio Agú em direção a rua
Pedro Fioretti. Sem questionar ou
temer
adentram na casa, logo na sala beijam-se sedentos, trocando abraços,
despindo-se. Ezequiel procura o chuveiro e juntos banham-se. Bocas
coladas, corpos nus, molhados em frenesi. Boca e língua de Ezequiel
buscam os fartos seios, o ventre sedoso, o sexo em brasa de Míriam.
Madrugada
a dentro repete-se várias vezes luta corporal, ritmo e movimento,
Lábios sedentos, corpos que se entrelaçam em busca do extremo
prazer. Sussurros, sons, numa cegueira em chamas. Duas vidas
entrelaçadas, num encontro inesperado, sem prévio conhecimento, sem
antecedentes. Vidas consumidas pela angustia de viverem
solitariamente, então devoram-se até a claridade do dia iluminar
os corpos abraçados nos lençóis.
Acordam
ao mesmo tempo, próximo ao meio-dia, e foi a partir daquele instante
e noite anterior que perceberam a cumplicidade de suas vidas, eles
mereciam uma oportunidade em busca da felicidade, a volúpia selvagem
que os envolveu, o entorpecimento sexual marcou profundamente suas
existências e não haveria razão para continuar vivendo sós,
por que não tentar viver juntos e esquecer os anos de solidão e
amarguras, desgastados em perambular pelos bares a noite e mendigar
amor. Trocaram confidencias comuns, começaram a conversar e
reconhecerem-se iguais, retratos em preto e branco, vidas anonimas
diluídas na angustia, encontros, desencantos, sobressaindo em
comum a solidão e assim conversando o sábado foi consumido. Assim
outros dias vieram, e assim Ezequiel e Míriam permaneceram
juntos...
07/10/2011
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