LADY
MADONNA
Chuva
fria e torrencial varre as ruas, avenidas, a cidade livra-se do ar
seco e poluído, chuva levando os esqueletos de agosto. A cidade
recolhida, intimidada pelo frio repentino. Luzes, lanternas, faróis,
piscam incessantemente, a noite despenca molhada.
Passos
apressados e corpo encolhido atravessando o vento frio, Maria
Aparecida chega em casa reclamando, espirrando por estar com pouco
agasalho, diante da mudança brusca de temperatura.
Maria
Aparecida, só quer uma chuveirada quente, fazer a janta, e relaxar
diante do noticiário da televisão. Cansada ela começa a preparar a
janta, vida de correria e salário apertado, contas vencendo, sonhos
que nunca aconteceram, caminhos transformados em descaminhos, sempre
o inesperado batendo à porta e levando a vida para o reverso.
Secretária,
solteira, completando trinta anos, ela já não alimenta devaneios,
desconfiada de tudo, principalmente dos homens, prefere encontros
furtivos a ter relacionamentos prolongados, homem casado
principalmente, mas gosta de ser assediada pelos olhares masculinos
e sentir que ainda provoca o interesse até dos garotões imaturos.
Lê
diariamente o horoscopo, pois sempre aprende alguma coisa. Não leu
muitos
livros, nunca gostou de livros “complicados” seu conhecimento
raso sobre
literatura,
politica, filosofia, limitaram seu poder de traduzir a existência.
Sua ambição esta em buscar o próprio bem estar utilizando os
recursos que puder usar, visando o seu sucesso material, social,
valendo-se da falta de escrúpulos e trapaças. Quando adolescente
ganhou vários exemplares de sua madrinha da biblioteca para moças,
seu cabedal de cultura, leu tudo de Elinor Glyn, M.Delly, assim
ficou confinado seu envolvimento com o mundo das letras.
O
aspecto ingenuo e alienado de sua personalidade transformou-se de
modo vil e ardiloso assim como sua preferencia por livros de
auto-ajuda, formulas eficientes, condensadas para resolver a vida
segundo seus valores mesquinhos. Ela, considera a auto-ajuda a
ferramenta do cotidiano. Criou dentro de si um conceito maniqueísta da vida, misturando elementos de psicologia de bolso adquirido após
a leitura dos famosos best-sellers de auto-ajuda. Sacia-se em
modelar redes de intriga para atormentar e depois afastar possíveis
adversários, ou conquistar objetivos por meios escusos.
Foi assim que herdou sozinha a casa de sua mãe, semeando rancores e
ódio entre seus irmãos, sempre recebeu toda a atenção materna,
pois era a “queridinha”, a caçula, conseguiu por muitos anos
passar por carente, sozinha, com “traumas”, não sossegou até
conseguir que sua mãe documenta-se antes de falecer a seu favor, a
casa e uma razoável poupança excluindo os demais filhos. Dizem as
más línguas, que Dona Candinha adoeceu de repente, a mulher foi
definhando de uma vez, muito estranho, muito estranho.... Maria
Aparecida fez mal uso do dinheiro e logo ficou sem um centavo.
Uma
vez esquivou-se de uma grande intriga no serviço pois seguiu os
conselhos do zodíaco, e seu conhecimento quase enciclopédico das
relações humanas. Sempre buscou a praticidade, aparentando frieza
e segurança em vários momentos da vida, isso dava-lhe a imagem de
pessoa de confiança. Seus parentes mais próximos com o decorrer dos
anos sentiram na pele o lado deletério de seu caráter, e
afastavam-se do cínico olhar de Maria Aparecida. sua personalidade
dúbia foi percebida e manipulada pelo gerente da empresa que
prometendo crescimento profissional convencia Maria Aparecida em
auxilia-lo em ridículas e rasteiras conspirações pelo poder
interno, prejudicando bons funcionários e assim ela sentia-se
poderosa alimentando a ambição de chegar a um cargo executivo . Mas
somente
o
seu travesseiro sentia suas lágrimas grossas nas noites de amarga
solidão, quando percebia-se isolada e temida pelas pessoas e todos
os seus relacionamentos íntimos eram descartáveis, dissimulados.
Maria Aparecida é firme no seu personagem quando não esta só.
Amizades são poucas, nenhum homem conseguiu conquistar seus
sentimentos os relacionamentos acontecidos giravam em torno da
atração física sem compromisso. Nunca procurou modificar o que lhe
conferia segurança. Metódica, prefere poucas mudanças, a rotina é
sua boa companheira, fica atrapalhada com grandes modificações,
principalmente quando muda de chefia no serviço, e sua rotina sofre
mudanças, fica dias atordoada até adequar-se as novas ordens.
Sua
vaidade transpira, olhos negros amendoados, cabelos oxigenados,
contornos bem definidos, sensualidade à flor da pele, atraem os
olhares de Valter chefe da contabilidade, mas ela prefere dar o
desprezo, cansou de receber recados e convites, pois conhece a fama
de garanhão do fulano, não quer envolver-se com um qualquer. Vai
ver nem tem onde cair morto ! “Entretanto se não fosse pela fama
até que ele teria alguma chance, ela pensou consigo mesma”...
Dias
iguais, semanas iguais, tudo parece não escapar da rotina, levantar
cedo, enfrentar ônibus lotado, metrô abarrotado, desejar dias
melhores, somente mudam as folhas do calendário, as dificuldades,
as frustradas tentativas para emagrecer, tirar as “gordurinhas”
do abdômen, descartava cirurgia pois tinha medo,
reduzir
a celulite das coxas através de mirabolantes dietas, obcecada em
consumir novidades cosméticas. Quando sente que o tédio irá
predominar em seu cotidiano, Maria modifica-se de recatada e
orgulhosa traveste-se de mulher fatal, a sexy “Madonna” dos
fins de semana, desfilando com sua linda coleção de bijuterias da
25 de março, excita-se fazendo programas com homens
desconhecidos, em motéis baratos, depois depara-se com o vazio ao
olhar-se nua e só no quarto diante do espelho, então embriaga-se
com martíni branco.
Um
dia ela chegou para trabalhar mas não fez tudo igual como sempre
fez. Estava transtornada, enfurecida, uma onça ! Subiu no DP,
entrou bruscamente na sala da gerencia, reclamou das horas extras não
recebidas, do adicional de salário
prometido
há meses, do assédio que recebia dos clientes, do patrão, um velho
arrogante, despudorado, obsceno, com falsas promessas, gritou,
xingou, explodiu e
mandou
todos a merda... Os funcionários sem entender nada ficaram
boquiabertos sem reação em suas cadeiras, entrou na sala do gerente
xingou aos berros depois saiu batendo a porta....
Maria
Aparecida desceu as escadas soltando fogo pelas ventas, dizia aos
berros que a partir daquela data não era mais Maria nem
Aparecida.... cansou de fazer tudo tudo certinho, sorrir sem vontade,
ouvir promessas....
Ninguém
compreendeu aquela manifestação histérica. A Maria de repente
transformou-se
num furacão ! A mulher endoideceu ! Pegou a bolsa e blusa saiu em
desatino
para a rua, entrou na estação do metro e depois nunca mais
souberam da Maria Aparecida. Uma simpática e formosa balzaquiana que
antes era toda segura
de
si, arrogante, dissimulada, dizem que depois que ela começou a tomar
uma formula milagrosa para emagrecer começou a ficar estranha. Você
viu a Maria Aparecida passar por aí esses dias ?....
15/09/2010
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