sábado, 8 de fevereiro de 2014

LADY MADONNA

Chuva fria e torrencial varre as ruas, avenidas, a cidade livra-se do ar seco e poluído, chuva levando os esqueletos de agosto. A cidade recolhida, intimidada pelo frio repentino. Luzes, lanternas, faróis, piscam incessantemente, a noite despenca molhada.
Passos apressados e corpo encolhido atravessando o vento frio, Maria Aparecida chega em casa reclamando, espirrando por estar com pouco agasalho, diante da mudança brusca de temperatura.
Maria Aparecida, só quer uma chuveirada quente, fazer a janta, e relaxar diante do noticiário da televisão. Cansada ela começa a preparar a janta, vida de correria e salário apertado, contas vencendo, sonhos que nunca aconteceram, caminhos transformados em descaminhos, sempre o inesperado batendo à porta e levando a vida para o reverso.
Secretária, solteira, completando trinta anos, ela já não alimenta devaneios, desconfiada de tudo, principalmente dos homens, prefere encontros furtivos a ter relacionamentos prolongados, homem casado principalmente, mas gosta de ser assediada pelos olhares masculinos e sentir que ainda provoca o interesse até dos garotões imaturos.
Lê diariamente o horoscopo, pois sempre aprende alguma coisa. Não leu
muitos livros, nunca gostou de livros “complicados” seu conhecimento raso sobre
literatura, politica, filosofia, limitaram seu poder de traduzir a existência. Sua ambição esta em buscar o próprio bem estar utilizando os recursos que puder usar, visando o seu sucesso material, social, valendo-se da falta de escrúpulos e trapaças. Quando adolescente ganhou vários exemplares de sua madrinha da biblioteca para moças, seu cabedal de cultura, leu tudo de Elinor Glyn, M.Delly, assim ficou confinado seu envolvimento com o mundo das letras.
O aspecto ingenuo e alienado de sua personalidade transformou-se de modo vil e ardiloso assim como sua preferencia por livros de auto-ajuda, formulas eficientes, condensadas para resolver a vida segundo seus valores mesquinhos. Ela, considera a auto-ajuda a ferramenta do cotidiano. Criou dentro de si um conceito maniqueísta da vida, misturando elementos de psicologia de bolso adquirido após a leitura dos famosos best-sellers de auto-ajuda. Sacia-se em modelar redes de intriga para atormentar e depois afastar possíveis adversários, ou conquistar objetivos por meios escusos.
Foi assim que herdou sozinha a casa de sua mãe, semeando rancores e ódio entre seus irmãos, sempre recebeu toda a atenção materna, pois era a “queridinha”, a caçula, conseguiu por muitos anos passar por carente, sozinha, com “traumas”, não sossegou até conseguir que sua mãe documenta-se antes de falecer a seu favor, a casa e uma razoável poupança excluindo os demais filhos. Dizem as más línguas, que Dona Candinha adoeceu de repente, a mulher foi definhando de uma vez, muito estranho, muito estranho.... Maria Aparecida fez mal uso do dinheiro e logo ficou sem um centavo.
Uma vez esquivou-se de uma grande intriga no serviço pois seguiu os conselhos do zodíaco, e seu conhecimento quase enciclopédico das relações humanas. Sempre buscou a praticidade, aparentando frieza e segurança em vários momentos da vida, isso dava-lhe a imagem de pessoa de confiança. Seus parentes mais próximos com o decorrer dos anos sentiram na pele o lado deletério de seu caráter, e afastavam-se do cínico olhar de Maria Aparecida. sua personalidade dúbia foi percebida e manipulada pelo gerente da empresa que prometendo crescimento profissional convencia Maria Aparecida em auxilia-lo em ridículas e rasteiras conspirações pelo poder interno, prejudicando bons funcionários e assim ela sentia-se poderosa alimentando a ambição de chegar a um cargo executivo . Mas somente
o seu travesseiro sentia suas lágrimas grossas nas noites de amarga solidão, quando percebia-se isolada e temida pelas pessoas e todos os seus relacionamentos íntimos eram descartáveis, dissimulados. Maria Aparecida é firme no seu personagem quando não esta só. Amizades são poucas, nenhum homem conseguiu conquistar seus sentimentos os relacionamentos acontecidos giravam em torno da atração física sem compromisso. Nunca procurou modificar o que lhe conferia segurança. Metódica, prefere poucas mudanças, a rotina é sua boa companheira, fica atrapalhada com grandes modificações, principalmente quando muda de chefia no serviço, e sua rotina sofre mudanças, fica dias atordoada até adequar-se as novas ordens.
Sua vaidade transpira, olhos negros amendoados, cabelos oxigenados, contornos bem definidos, sensualidade à flor da pele, atraem os olhares de Valter chefe da contabilidade, mas ela prefere dar o desprezo, cansou de receber recados e convites, pois conhece a fama de garanhão do fulano, não quer envolver-se com um qualquer. Vai ver nem tem onde cair morto ! “Entretanto se não fosse pela fama até que ele teria alguma chance, ela pensou consigo mesma”...
Dias iguais, semanas iguais, tudo parece não escapar da rotina, levantar cedo, enfrentar ônibus lotado, metrô abarrotado, desejar dias melhores, somente mudam as folhas do calendário, as dificuldades, as frustradas tentativas para emagrecer, tirar as “gordurinhas” do abdômen, descartava cirurgia pois tinha medo,
reduzir a celulite das coxas através de mirabolantes dietas, obcecada em consumir novidades cosméticas. Quando sente que o tédio irá predominar em seu cotidiano, Maria modifica-se de recatada e orgulhosa traveste-se de mulher fatal, a sexy “Madonna” dos fins de semana, desfilando com sua linda coleção de bijuterias da 25 de março, excita-se fazendo programas com homens desconhecidos, em motéis baratos, depois depara-se com o vazio ao olhar-se nua e só no quarto diante do espelho, então embriaga-se com martíni branco.
Um dia ela chegou para trabalhar mas não fez tudo igual como sempre fez. Estava transtornada, enfurecida, uma onça ! Subiu no DP, entrou bruscamente na sala da gerencia, reclamou das horas extras não recebidas, do adicional de salário
prometido há meses, do assédio que recebia dos clientes, do patrão, um velho arrogante, despudorado, obsceno, com falsas promessas, gritou, xingou, explodiu e
mandou todos a merda... Os funcionários sem entender nada ficaram boquiabertos sem reação em suas cadeiras, entrou na sala do gerente xingou aos berros depois saiu batendo a porta....
Maria Aparecida desceu as escadas soltando fogo pelas ventas, dizia aos berros que a partir daquela data não era mais Maria nem Aparecida.... cansou de fazer tudo tudo certinho, sorrir sem vontade, ouvir promessas....
Ninguém compreendeu aquela manifestação histérica. A Maria de repente
transformou-se num furacão ! A mulher endoideceu ! Pegou a bolsa e blusa saiu em
desatino para a rua, entrou na estação do metro e depois nunca mais souberam da Maria Aparecida. Uma simpática e formosa balzaquiana que antes era toda segura
de si, arrogante, dissimulada, dizem que depois que ela começou a tomar uma formula milagrosa para emagrecer começou a ficar estranha. Você viu a Maria Aparecida passar por aí esses dias ?....
15/09/2010



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