O SENADOR
Sentia-se
confortável em seus pensamentos, não compreendia tanto incomodo
das pessoas em relação a sua rotina de vida, costumes pouco comuns,
roupas sempre de tonalidade escura, maquiado com sombra e lábios
negros, não era nem punk, nem nada, ouvia as alturas Sexy Pistols,
Marlyn Manson e Black Sabbat. O rapaz, tinha uma personalidade
mesquinha, confusa, geralmente desagradável saia pouco de casa, ia
para o colégio, algumas vezes ia ao cinema assistir suspense ou
filme de terror, fazer racha de madrugada com seu carro envenenado,
beber escondido o melhor uísque de sua mãe, preferia mesmo o
onanismo solitário. Com quinze anos ele criou um alfabeto de
compreensão própria, escrevia longas cartas para si mesmo. A
professora descobriu a estranha criação, assustou-se mandou chamar
a mãe. Orientou a mãe para consultar um psicologo, ele estava
sempre isolado dos colegas de classe, seu aproveitamento escolar era
crítico, a mãe Dóris indignou-se, tirou César Augusto da
escola.
César
Augusto tinha orgulho do seu nome, leu na enciclopédia que o
imperador romano, fora um tirano que teve em suas mãos todo o
mundo conhecido. Transformando Roma em capital do mundo. Sua mãe
passava uma lista de atividades culturais e assim ele desenvolveu
seu lado auto-didata, achava suas professoras medíocres.
Sua
mãe recebeu uma intimação, fora denunciada porque o garoto não
cursava escola, o juiz determinou que o rapaz deveria ser matriculado
em escola imediatamente se não ela perderia o poder pátrio.
Algum invejoso a denunciara ! Voltou a frequentar escola, mas não
dava atenção a quase nada, não contestava a escola para não criar
problemas para a mãe, fazia as provas sem quase estudar, conseguia
as notas para fechar o ano.
Era
apaixonado por história antiga, egiptologia, a biografia de
Champollion e a pedra de Roseta, alquimia, astronomia. Ler a
biografia dos grandes imperadores, Napoleão, Gengis khan, Alexandre,
Nicolau Romanov, aguçava sua atenção, seus olhos brilhavam, mas
seu ídolo maior era Hitlher, depois de ler “Minha vida”. Era
muito estranho aquele rapaz, assim diziam os vizinhos. Gostava de
cuidar das plantas da casa, aprendeu muito com o jardineiro, outra
coisa bastante incomum para um adolescente, dizia para sua mãe que
sentia as plantas como a si mesmo, Dóris comovia-se com a
sensibilidade do filho.
Tinha
estranha percepção das coisas, ficava furioso com visitas
inesperadas, pois geralmente causavam danos as suas plantas, apenas
de olhar elas começavam a adoecer e ele sentia a energia negativa.
Quando provocado por qualquer pessoa sua ira irradiava-se e a pessoa
começava a sentir dores de cabeça. Seu olhar de ira era tenebroso.
Cresceu solitariamente, era de poucas palavras, nunca soube nada de
seu pai, segundo sua mãe ele morrera quando era bebê, não havia
interesse de sua parte em conhecer quem fora seu pai, isso pouco
importava a ele. O pai herdara os negócios, tinham fazendas, banco,
industria têxtil, eram de uma tradicional família quatrocentona,
mas começou por tudo a perder por falta de capacidade em gerenciar
os negócios da família e iniciar uma vida de vícios, todos os
tipos, desde corrida de cavalos até chegar as drogas, um dia
morreu de overdose num motel numa festa de orgia. Gastaram bom
dinheiro para a verdade não ser revelada no noticiário policial.
Dóris, sua mãe conseguiu, manter o patrimônio da família,
mantinha tudo abafado. César ficava muitas horas trancado na
biblioteca lendo Paracelso, Agrippa, Julius Evola, Fausto de Goethe,
os seus preferidos, aos poucos tornou-se um triste místico
fascista.
Criava
em seu isolamento um mundo próprio de poder e ambição, até que
apaixonou-se pela primeira vez, quando fazia cursinho. Lilian, mudou
a rotina de sua vida. Misteriosa, inteligente, charmosa, esnobava os
rapazes, só que César conseguiu mudar essa trajetória. A garota
também tinha preferencias estranhas, maquiagem gótica, apaixonada
pela lua, esoterismo, vodca, ovinis, rituais com cristais, essas
coisas que no passado da humanidade levavam o fulano para a fogueira
sem piedade, esse interesse singular dos adolescentes acabou
aproximando-os além da atração física.
Lilian
não queria admitir que foi amor a primeira vista, Augusto estranhou
a novidade e foi rendendo-se ao inédito sentimento. Os primeiros
encontros tímidos foram longe do cursinho, dos poucos amigos,
queriam privacidade para lidar com esse sentimento que promovia
tremores, desejos ardentes, saudade do outro. O primeiro beijo entre
os dois foi atormentado, nada cinematográfico, virgem fúria, um
calor abrasivo envolveu os dois, logo sentiram-se muito excitados.
Estava
anoitecendo, a lua cheia escancarada no espaço era testemunha
exclusiva do selvagem sentimento, dos beijos trocados. Parecia que
formavam o par perfeito, uma melodiosa história de amor com
bizarros personagens.
Os
dois tornaram-se unha e carne, isoladamente já causavam receios,
juntos tornavam o potencial de estranheza multiplicado. Juntos
sentiam-se mais fortes, pois não estavam adequados a realidade,
cada vez mais buscavam suas identidades no passado , não conseguiam
conviver com os jovens da sua idade, procuravam sempre o isolamento,
o místico, o lado escuro da lua. Lilian era a ovelha negra da
família, suas irmãs sentiram até alivio quando ela começou a
namorar César, o rapaz esquisito...
No
cursinho, nas escolas, os estudantes começaram a organizarem-se para
demonstrar indignação pública contra o governo Collor, quase todos
do cursinho participaram das passeatas pedindo impeachment, os
estudantes do país todo saíram nas ruas para pressionar o
congresso, o falso “caçador de marajás”. Collor de Melo
renuncia ao seu mandato e cai no ostracismo.
Lilian
e César passaram completamente alienados aos fatos, diziam que era
subversão,
o movimento estudantil, Lilian aparentava rebeldia em certos
momentos mas na verdade era uma reacionária, foram acampar nas
chapadas dos Guimarães junto com uma turma que pesquisava ovinis e
juravam que iriam conseguir ter contato com os ets. Sua mãe ficava
satisfeita com o filho, não tinham grandes conflitos, Dóris era
uma colaboradora fanática do estandarte rubro do leão dourado,
preferia as confusões misticas de César Augusto, do que saber que
seu filho fosse um comunistoide de merda ! Um agitador ! Pra que
democracia ? O país precisa é de ordem !
Durante
a viajem pensou em articular uma falange clandestina, unir um grupo
de pessoas superiores, com o propósito de combater o atraso, a
fraqueza da pátria, as pessoas inferiores, negros, prostitutas,
nordestinos, comunistas... mas não iria por a mão no trabalho sujo,
era necessário ter contato com a marginalidade. Acabou esquecendo o
assunto pois era muito arriscado e difícil, ainda não tinha
estrutura para tal.
A
viajem foi frustrante para quem esperava algum contato com ets, não
avistaram nada, a paisagem é que valeu a pena, o contato com a
natureza, desconfortável, mas diferente, sair do centro urbano.
Para os dois foi inesquecível pois perderam a virgindade e foram
iniciados na cocaína e maconha.
Lilian
acabou engravidando, a novidade foi um transtorno para as famílias,
embora César tivesse sido repreendido pela mãe, ele não queria
assumir nenhum compromisso, apenas continuar sua vida, Lilian teve
culpa não quis usar anticonceptivo segundo ele, afastou-se de
Lilian, deixou por conta dela, lavou as mãos. Lilian resolveu pelo
aborto, angustiada procurou uma clinica clandestina para realizar o
aborto, um dia vingaria-se daquele cafajeste ! O imprevisível
sempre caminha ao lado sem que possamos perceber, complicações e
infecção, levam Lilian a morte. César não compareceu ao velório,
ao enterro. Mais uma vez sua mãe assumi as mazelas da família, mas
tira seu cartão de crédito, as mordomias, ele é mandado para fora
do país para estudar e depois assumir os negócios da família.
Passaram-se
os anos César Augusto retorna, deixa esquecida a imagem do rapaz
confuso, pusilâmine, ideologicamente de extrema direita, com um
discurso da moda, neo-liberal para efeito na mídia. Diante dos
olhos de sua mãe ele apresenta-se ativo, refinado, desenvolto,
pronto a assumir a cabeça dos negócios, bajulado pela riqueza e
prestigio , ele surge como nova liderança no mundo empresarial, em
pouco tempo torna-se presidente da federação das industrias
tornando sua ambição de poder e riqueza uma realidade. Dóris
explode de contentamento e orgulho, saber do filho, homem realizado
e prospero em fenomenal escalada, um grupo de amigos lança seu nome
para o senado, estava trazendo consigo os interesses de uma grande
multinacional da telefonia, o que lhe renderia conforto substancial,
com a implantação de uma grande marca no solo brasileiro, dando ao
país modernidade tecnológica, afinal os interesses de classe
devem ser defendidos pelos melhores quadros nacionais.
Antes
de assumir a cadeira no senado, mais uma vez o escândalo entra
pelas portas daquela rica mansão dos jardins, numa noite de
verão, Dóris retorna de viagem repentinamente sem avisar, a casa
parecia quieta, ela adentra os cômodos, sobe a escadaria para os
quartos e escuta do quarto do filho sussurros escandalosos, a porta
entreaberta expõe cena inimaginável, César nu, em frenesi com
seu assessor politico , em coito febril, Dóris transtornada,
colérica, sente horrível dor no peito, grita de dor e desfalece
caindo fulminada na entrada do quarto...
05/04/2011
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